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Ricardo “Kadão” Chaves: Meu tio

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Ricardo “Kadão” Chaves: Meu tio No início dos anos de 1980, eu trabalhava como fotógrafo na sucursal da revista Veja, no Rio de Janeiro, quando foi lançado o filme “Eu te amo”, de Arnaldo Jabor, tendo Sonia Braga e Paulo César Pereio como atores principais. Conhecia o Pereio de nome, sabia que era gaúcho, e que, entre outras coisas, era o autor, junto com Lara de Lemos, do Hino da Legalidade, movimento político importante, de 1961, no qual meu pai, jornalista Hamilton Chaves, participou como coordenador da rede radiofônica que deu apoio ao bravo governador Leonel Brizola. Terminada a entrevista que fizemos com Pereio, arrisquei dizer que ele devia conhecer meu pai, daquela época… Ele confirmou que, sim, claro que conhecia, e depois de um breve silêncio disse: “mas então, se tu é filho do Hamilton, tu é sobrinho do Ovídio…”, depois que concordei, ele acrescentou: “teu pai é meio careta, mas, teu tio era legal pra caramba!”. Quem conhece o Pereio sabe o rebelde e o iconoclasta que ele é, de modo que essa avaliação feita se não for um elogio ao Ovídio, pelo menos diz muito dos valores que ambos compartilhavam. Meu tio, com quem tive pouca chance de conviver, era um cara romântico, com pouca ou quase nenhuma preocupação com o dinheiro. Talvez menos maluco beleza que o Pereio, mas igualmente uma pessoa não convencional. Lembro, por exemplo, que quando criança visitei uma casa que ele estava construindo (e que nunca terminou), em meio a um mato, no bairro Teresópolis, aqui em Porto Alegre. A estrutura principal já estava erguida e, dentro da sala, se destacava o enorme tronco de uma frondosa árvore que ele pretendia deixar exatamente ali, sem saber ainda, em detalhes como a questão do telhado seria resolvida.   Depois que ele se mudou para o Rio, estivemos juntos por três vezes. Na primeira ele morava com a família num apartamento no Lido, em Copacabana, e fomos, eu pela primeira vez, ao Corcovado. Na segunda, ele já estava numa espécie de auto-exílio, vivendo na Ilha de Paquetá. Morava feliz numa casa grande e um tanto estropiada, em meio ao canto dos pássaros e à sombra fresca de grandes árvores. Nessa casa, recordo da sua alegria e de uma geladeira muito enferrujada. Na última vez, procurei por ele, numa ensolarada manhã de domingo na Praça General Osório, em Ipanema, onde ele comercializava, na feira hippie, onde obviamente era o decano da raça, objetos de artesanato feitos por ele e pelos filhos. Tive dificuldade de localizar o espaço que ocupava porque ele não estava ali naquele momento. Me informaram que provavelmente estaria no bar Jangadeiros, na Rua Teixeira de Melo, uma travessa da Visconde de Pirajá, a meia quadra de distância. Não deu outra, lá estava ele pontificando numa mesa entre velhos amigos e algumas jovens, rindo e sorvendo o seu chope gelado. Meu tio Ovídio era assim, mesmo morando num conjugado, em Copacabana, preferia gastar o pouco que ganhava numa sessão de cinema ou num chope com os amigos. Uma figura […]

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No início dos anos de 1980, eu trabalhava como fotógrafo na sucursal da revista Veja, no Rio de Janeiro, quando foi lançado o filme “Eu te amo”, de Arnaldo Jabor, tendo Sonia Braga e Paulo César Pereio como atores principais. Conhecia o Pereio de nome, sabia que era gaúcho, e que, entre outras coisas, era o autor, junto com Lara de Lemos, do Hino da Legalidade, movimento político importante, de 1961, no qual meu pai, jornalista Hamilton Chaves, participou como coordenador da rede radiofônica que deu apoio ao bravo governador Leonel Brizola. Terminada a entrevista que fizemos com Pereio, arrisquei dizer que ele devia conhecer meu pai, daquela época… Ele confirmou que, sim, claro que conhecia, e depois de um breve silêncio disse: “mas então, se tu é filho do Hamilton, tu é sobrinho do Ovídio…”, depois que concordei, ele acrescentou: “teu pai é meio careta, mas, teu tio era legal pra caramba!”. Quem conhece o Pereio sabe o rebelde e o iconoclasta que ele é, de modo que essa avaliação feita se não for um elogio ao Ovídio, pelo menos diz muito dos valores que ambos compartilhavam. Meu tio, com quem tive pouca chance de conviver, era um cara romântico, com pouca ou quase nenhuma preocupação com o dinheiro. Talvez menos maluco beleza que o Pereio, mas igualmente uma pessoa não convencional. Lembro, por exemplo, que quando criança visitei uma casa que ele estava construindo (e que nunca terminou), em meio a um mato, no bairro Teresópolis, aqui em Porto Alegre. A estrutura principal já estava erguida e, dentro da sala, se destacava o enorme tronco de uma frondosa árvore que ele pretendia deixar exatamente ali, sem saber ainda, em detalhes como a questão do telhado seria resolvida.   Depois que ele se mudou para o Rio, estivemos juntos por três vezes. Na primeira ele morava com a família num apartamento no Lido, em Copacabana, e fomos, eu pela primeira vez, ao Corcovado. Na segunda, ele já estava numa espécie de auto-exílio, vivendo na Ilha de Paquetá. Morava feliz numa casa grande e um tanto estropiada, em meio ao canto dos pássaros e à sombra fresca de grandes árvores. Nessa casa, recordo da sua alegria e de uma geladeira muito enferrujada. Na última vez, procurei por ele, numa ensolarada manhã de domingo na Praça General Osório, em Ipanema, onde ele comercializava, na feira hippie, onde obviamente era o decano da raça, objetos de artesanato feitos por ele e pelos filhos. Tive dificuldade de localizar o espaço que ocupava porque ele não estava ali naquele momento. Me informaram que provavelmente estaria no bar Jangadeiros, na Rua Teixeira de Melo, uma travessa da Visconde de Pirajá, a meia quadra de distância. Não deu outra, lá estava ele pontificando numa mesa entre velhos amigos e algumas jovens, rindo e sorvendo o seu chope gelado. Meu tio Ovídio era assim, mesmo morando num conjugado, em Copacabana, preferia gastar o pouco que ganhava numa sessão de cinema ou num chope com os amigos. Uma figura […]

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