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Rodrigo Breunig: A política segundo Satã

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Rodrigo Breunig: A política segundo Satã Cento e trinta e nove anos atrás, Ambrose Bierce publicou na imprensa norte-americana os primeiros verbetes de um monumental inventário da infâmia humana. O inventário durou três décadas e resultou numa das obras satíricas mais brilhantes da história da literatura: O dicionário do Diabo. Nas palavras do próprio diabo-autor, “um compêndio de tudo que se conheceu no mundo até a data de sua conclusão”. Nascido em Ohio em 1842, veterano da Guerra Civil, jornalista destemido, contista soberbo, desaparecido no México por volta de 1914, Bierce era um pessimista que queria um mundo menos injusto, um descrente que acreditava na regra de conduta “o que Jesus faria?”. Repetindo sem parar que a humanidade não tem salvação, seu dicionário parece nos perguntar o tempo todo: “Por que não tentamos ser pessoas melhores?”. Eis o que o Diabo tem a nos dizer sobre a política: Acéfalo, adj. O estado final e permanente de um soberano moderno que governa por direito divino. Censor, s. Funcionário de certos governos, empregado para suprimir as obras geniais. Entre os romanos, o censor era um inspetor da moral pública, mas a moral pública das nações modernas não suporta inspeção. Comissionado, s. Parente do titular de um cargo público ou de seu fiador. O comissionado costuma ser um jovem bonito, com gravata vermelha e um intrincado sistema de teias de aranha que se estende de seu nariz até sua mesa. Quando atingido acidentalmente pela vassoura do faxineiro, emite uma nuvem de poeira. Congresso, s. Corporação de homens que se reúnem para revogar leis. Degradação, s. Uma das etapas do progresso moral e social da condição privada para o cargo político. Eleitor, s. Alguém que desfruta do privilégio sagrado de votar num homem escolhido por outro homem. Empurrão, s. Uma das duas coisas que mais conduzem ao sucesso, sobretudo na política. A outra é o Puxão. Fronteira, s. Na geografia política, uma linha imaginária entre duas nações, separando os direitos imaginários de uma dos direitos imaginários da outra. História, s. Um relato quase sempre falso de acontecimentos quase sempre desimportantes protagonizados por governantes quase sempre canalhas e soldados quase sempre tolos. Honrado, adj. Atormentado por um obstáculo em sua área de atuação. Nos órgãos legislativos, é costumeiro mencionar todos os membros como honrados; por exemplo: “o honrado cavalheiro é um cão sarnento”.  Igualdade, s. Na política, uma condição imaginária na qual são contados crânios em vez de cérebros e o mérito é determinado por sorteio e punido por nomeação. Levado a sua conclusão lógica, o princípio exige rotação nos cargos e na penitenciária. Todos os homens, tendo igualmente direito a um voto, têm igualmente direito a um cargo e estão igualmente sujeitos à condenação. Insurreição, s. Uma revolução fracassada. O insucesso do descontentamento na tentativa de substituir o desgoverno pelo mau governo. Legislador, s. Um indivíduo que vai à capital do país para aumentar seu capital; aquele que granjeia leis e dinheiro. Lograr, v.t. Dizer ao povo soberano que, caso eleito, você não vai roubar. Neutro, s. Na política, um indivíduo afligido por autoestima e afeito ao vício da independência. Termo pejorativo. Nivelador, s. O tipo […]

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Cento e trinta e nove anos atrás, Ambrose Bierce publicou na imprensa norte-americana os primeiros verbetes de um monumental inventário da infâmia humana. O inventário durou três décadas e resultou numa das obras satíricas mais brilhantes da história da literatura: O dicionário do Diabo. Nas palavras do próprio diabo-autor, “um compêndio de tudo que se conheceu no mundo até a data de sua conclusão”. Nascido em Ohio em 1842, veterano da Guerra Civil, jornalista destemido, contista soberbo, desaparecido no México por volta de 1914, Bierce era um pessimista que queria um mundo menos injusto, um descrente que acreditava na regra de conduta “o que Jesus faria?”. Repetindo sem parar que a humanidade não tem salvação, seu dicionário parece nos perguntar o tempo todo: “Por que não tentamos ser pessoas melhores?”. Eis o que o Diabo tem a nos dizer sobre a política: Acéfalo, adj. O estado final e permanente de um soberano moderno que governa por direito divino. Censor, s. Funcionário de certos governos, empregado para suprimir as obras geniais. Entre os romanos, o censor era um inspetor da moral pública, mas a moral pública das nações modernas não suporta inspeção. Comissionado, s. Parente do titular de um cargo público ou de seu fiador. O comissionado costuma ser um jovem bonito, com gravata vermelha e um intrincado sistema de teias de aranha que se estende de seu nariz até sua mesa. Quando atingido acidentalmente pela vassoura do faxineiro, emite uma nuvem de poeira. Congresso, s. Corporação de homens que se reúnem para revogar leis. Degradação, s. Uma das etapas do progresso moral e social da condição privada para o cargo político. Eleitor, s. Alguém que desfruta do privilégio sagrado de votar num homem escolhido por outro homem. Empurrão, s. Uma das duas coisas que mais conduzem ao sucesso, sobretudo na política. A outra é o Puxão. Fronteira, s. Na geografia política, uma linha imaginária entre duas nações, separando os direitos imaginários de uma dos direitos imaginários da outra. História, s. Um relato quase sempre falso de acontecimentos quase sempre desimportantes protagonizados por governantes quase sempre canalhas e soldados quase sempre tolos. Honrado, adj. Atormentado por um obstáculo em sua área de atuação. Nos órgãos legislativos, é costumeiro mencionar todos os membros como honrados; por exemplo: “o honrado cavalheiro é um cão sarnento”.  Igualdade, s. Na política, uma condição imaginária na qual são contados crânios em vez de cérebros e o mérito é determinado por sorteio e punido por nomeação. Levado a sua conclusão lógica, o princípio exige rotação nos cargos e na penitenciária. Todos os homens, tendo igualmente direito a um voto, têm igualmente direito a um cargo e estão igualmente sujeitos à condenação. Insurreição, s. Uma revolução fracassada. O insucesso do descontentamento na tentativa de substituir o desgoverno pelo mau governo. Legislador, s. Um indivíduo que vai à capital do país para aumentar seu capital; aquele que granjeia leis e dinheiro. Lograr, v.t. Dizer ao povo soberano que, caso eleito, você não vai roubar. Neutro, s. Na política, um indivíduo afligido por autoestima e afeito ao vício da independência. Termo pejorativo. Nivelador, s. O tipo […]

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