Gênio | Parêntese

Rodrigo Breunig: O que liam, como liam, por que liam os personagens de Machado de Assis?

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Rodrigo Breunig: O que liam, como liam, por que liam os personagens de Machado de Assis? 1) O que é que eles liam?   bons e maus, grossos e finos, livros de toda casta As personagens e os personagens de Machado de Assis liam tudo. Tudo entrava, bom ou mau, edificante ou corruptor. Bálsamo e veneno. Não havia na porta um índex com os livros defesos e os lícitos. Paulo e Virgínia e Fanny. Eram livros furtados. Emprestados. Presenteados. Comprados por encomenda. Comprados de um belchior ou de alguém que vende livros embaixo de um passadiço. Desembarcados ontem da Europa. Nitidamente impressos e suntuosamente encadernados em Pariz. Publicados no Brasil pelo todo-poderoso sr. Garnier em sua extensa Bibliotheca Universal. Livros de capa de couro escuro e lavrado. Livros grossos e folhetos finos. Velhos tomos ensebados. os maiores nomes de todos os tempos e uns nomes menores Balzac, Elizabeth Helme, Alain-René Lesage, Antônio Dinis da Cruz e Silva, João Vicente Pimentel Maldonado, Lamartine, Alexandre Herculano, Byron, d’Arlincourt, Dumas, George Sand, Varchi, Rodrigues Lobo, Pascal, Henri Murger, Correia Garção, Schiller, Fénelon, Alfredo de Vigny, Spencer, Bernardin de Saint-Pierre, Milton, Rabelais, São Tomás de Aquino, Edgar Allan Poe, Moleschott, Camões, Gizot, Longfellow, Stendhal, Voltaire, Propércio, Padre Perereca, Elizabeth Gaskell, Marquês de Maricá, Aulo Gélio, André Chénier, Homero, Epíteto, Joaquim Manuel de Macedo, François-René de Chateaubriand, Petrarca, Torquato Tasso, Padre Caldas, Tito Lívio, Suetônio, Walter Scott, La Rochefoucauld, Charles-Hubert Millevoye, Gonçalves Dias, Xavier de Maistre, Klopstock, Shelley, Teócrito, Virgílio, Soares de Passos, Casimiro de Abreu, Hoffmann, Ernest Renan, Madame de Staël, Almeida Garrett, Shakespeare, Madame Craven, Victor Hugo, Ponson du Terrail, Tomás Antônio Gonzaga, Ludwig Büchner, Octave Feuillet, Ernest Feydeau, Molière, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Cervantes, Newton, Pierre Nicole, Sterne, Dante, Goethe, Platão… Et aliae et alii. a sagrada escritura Fernanda e Fernando, ignorantes em seus corações de quinze anos, aprenderam a ler e a escrever várias línguas com um padre-mestre. O padre-mestre lhes dera uma Bíblia censurada, desprovida do Cântico dos Cânticos. Você não imagina, José Dias diz para Capitu (que não gosta dos modos de dizer da Bíblia), você não imagina como a Bíblia é cheia de expressões cruas e grosseiras. A caridade, Simão Bacamarte afirma numa expansão íntima com Crispim Soares, a caridade, sr. Soares, entra decerto no meu procedimento, mas entra como tempero, como o sal das coisas, que é assim que interpreto o dito de S. Paulo aos coríntios: Se eu conhecer quanto se pode saber e não tiver caridade, não sou nada. Lalau, dezessete anos, não entende como alguém pode ter paciência para ler livros grandes e velhos. Que tem que sejam velhos?, retruca o cônego, Deus é velho e é a melhor leitura que há. A Bíblia é o livro mais lido pelos personagens-leitores-de-livros dos contos e romances de Machado de Assis. o inventor de ofélia Luís Tinoco nunca leu Shakespeare, mas nem por isso deixa de falar do to be or not to be, do balcão de Julieta e das torturas de Otelo. Alfredo Tavares povoa seu espírito de Julietas.  Brás Cubas, taciturno, jururu, estirado na volúpia do aborrecimento, lê Shakespeare embaixo de […]

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1) O que é que eles liam?   bons e maus, grossos e finos, livros de toda casta As personagens e os personagens de Machado de Assis liam tudo. Tudo entrava, bom ou mau, edificante ou corruptor. Bálsamo e veneno. Não havia na porta um índex com os livros defesos e os lícitos. Paulo e Virgínia e Fanny. Eram livros furtados. Emprestados. Presenteados. Comprados por encomenda. Comprados de um belchior ou de alguém que vende livros embaixo de um passadiço. Desembarcados ontem da Europa. Nitidamente impressos e suntuosamente encadernados em Pariz. Publicados no Brasil pelo todo-poderoso sr. Garnier em sua extensa Bibliotheca Universal. Livros de capa de couro escuro e lavrado. Livros grossos e folhetos finos. Velhos tomos ensebados. os maiores nomes de todos os tempos e uns nomes menores Balzac, Elizabeth Helme, Alain-René Lesage, Antônio Dinis da Cruz e Silva, João Vicente Pimentel Maldonado, Lamartine, Alexandre Herculano, Byron, d’Arlincourt, Dumas, George Sand, Varchi, Rodrigues Lobo, Pascal, Henri Murger, Correia Garção, Schiller, Fénelon, Alfredo de Vigny, Spencer, Bernardin de Saint-Pierre, Milton, Rabelais, São Tomás de Aquino, Edgar Allan Poe, Moleschott, Camões, Gizot, Longfellow, Stendhal, Voltaire, Propércio, Padre Perereca, Elizabeth Gaskell, Marquês de Maricá, Aulo Gélio, André Chénier, Homero, Epíteto, Joaquim Manuel de Macedo, François-René de Chateaubriand, Petrarca, Torquato Tasso, Padre Caldas, Tito Lívio, Suetônio, Walter Scott, La Rochefoucauld, Charles-Hubert Millevoye, Gonçalves Dias, Xavier de Maistre, Klopstock, Shelley, Teócrito, Virgílio, Soares de Passos, Casimiro de Abreu, Hoffmann, Ernest Renan, Madame de Staël, Almeida Garrett, Shakespeare, Madame Craven, Victor Hugo, Ponson du Terrail, Tomás Antônio Gonzaga, Ludwig Büchner, Octave Feuillet, Ernest Feydeau, Molière, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Cervantes, Newton, Pierre Nicole, Sterne, Dante, Goethe, Platão… Et aliae et alii. a sagrada escritura Fernanda e Fernando, ignorantes em seus corações de quinze anos, aprenderam a ler e a escrever várias línguas com um padre-mestre. O padre-mestre lhes dera uma Bíblia censurada, desprovida do Cântico dos Cânticos. Você não imagina, José Dias diz para Capitu (que não gosta dos modos de dizer da Bíblia), você não imagina como a Bíblia é cheia de expressões cruas e grosseiras. A caridade, Simão Bacamarte afirma numa expansão íntima com Crispim Soares, a caridade, sr. Soares, entra decerto no meu procedimento, mas entra como tempero, como o sal das coisas, que é assim que interpreto o dito de S. Paulo aos coríntios: Se eu conhecer quanto se pode saber e não tiver caridade, não sou nada. Lalau, dezessete anos, não entende como alguém pode ter paciência para ler livros grandes e velhos. Que tem que sejam velhos?, retruca o cônego, Deus é velho e é a melhor leitura que há. A Bíblia é o livro mais lido pelos personagens-leitores-de-livros dos contos e romances de Machado de Assis. o inventor de ofélia Luís Tinoco nunca leu Shakespeare, mas nem por isso deixa de falar do to be or not to be, do balcão de Julieta e das torturas de Otelo. Alfredo Tavares povoa seu espírito de Julietas.  Brás Cubas, taciturno, jururu, estirado na volúpia do aborrecimento, lê Shakespeare embaixo de […]

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