Parêntese | Retrotradução

Théo Amon: Uma senhora, de Machado de Assis — tradução para o português

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Théo Amon: Uma senhora, de Machado de Assis — tradução para o português Traduzir Machado de Assis para… português: dá? Claro, basta tomar como original uma tradução em outra língua. Aqui, pegou-se a versão alemã que o lendário tradutor Curt Meyer-Clason fez do conto Uma senhora (Eine Dame, da coletânea Meistererzählungen des Machado de Assis — Hamburgo, 1966, editora Wegner). Só não vale espiar o original. Juro que não espiei. O Pierre Menard tampouco espiava (diz o Borges…). O nome técnico disso é retrotradução. Para quê? Se não basta o prazer do jogo, para testar os limites da linguagem em suas travessias. Umberto Eco: “Uma tradução, mesmo errada, permite que se retorne de alguma maneira ao texto de partida”, isto é: “o texto B na língua Beta é a tradução do texto A na língua Alfa quando, retraduzindo B para a língua Alfa, o texto obtido A2 tem, de alguma maneira, o mesmo sentido que o texto A”. Soa complicado, mas não é. É a brincadeira do telefone sem fio, aqui com apenas três brincando: Machado, Meyer-Clason e o degas. Mas podem ser muitos mais elos na corrente, e com idas e voltas também. Se alguém quiser passar a minha tradução para o javanês, fique à vontade! Eu adoraria ler, se soubesse javanês. O que passa ileso? Praticamente nada. Assimetrias sistêmicas entre os idiomas, deslocamentos culturais, as preferências pessoais dos tradutores (existem mesmo sinônimos ou absolutamente toda palavra tem um quê próprio?), os banais lapsos de leitura — tudo conspira para a divergência. Na minha empreitada específica, ainda por cima, tinha o esforço de imitar o tom e o estilo machadianos, usar palavras de época, ser intencionalmente anacrônico, mas de nada valeu: saiu diferente. Na penúltima revisão, anos atrás, em 3 mil palavras eu detectei uma única frase idêntica entre o A e o A2. Desta vez, nem comparei — melhor publicar. Se alguém se dispuser… segue o link do original (em grafia de época). No fim, é o mesmo texto? Ou só segue atendendo pelo mesmo nome depois de incontáveis mudanças, como a gente? Segue abaixo meu pseudo-Machado, infiel e reversível. O avesso do avesso. Uma senhora “Machado de Assis” Não posso encontrar esta senhora sem pensar na profecia que uma lagartixa fez ao poeta Heine durante sua escalada dos Apeninos: “Virá um dia em que as pedras se tornarão plantas, as plantas, animais, os animais, homens, e os homens, deuses”. Então me acomete o desejo de dizer-lhe: “A senhora, prezada Dona Camila, amou tanto a juventude e a beleza que atrasou o seu relógio para ver se esses dois minutos de cristal podem ser paralisados. Não se desconsole, Dona Camila. No dia que a lagartixa anunciou, a senhora se tornará Hebe, a deusa da juventude, e nos servirá o néctar da perenidade em suas mãos eternamente jovens”. Quando a vi pela primeira vez, ela tinha trinta e seis anos, apesar de aparentar apenas trinta e dois e ainda habitar a “casa” dos vinte e nove. Casa é modo de dizer. Não há palácio mais espaçoso que a morada desses amigos, nenhum […]

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Traduzir Machado de Assis para… português: dá? Claro, basta tomar como original uma tradução em outra língua. Aqui, pegou-se a versão alemã que o lendário tradutor Curt Meyer-Clason fez do conto Uma senhora (Eine Dame, da coletânea Meistererzählungen des Machado de Assis — Hamburgo, 1966, editora Wegner). Só não vale espiar o original. Juro que não espiei. O Pierre Menard tampouco espiava (diz o Borges…). O nome técnico disso é retrotradução. Para quê? Se não basta o prazer do jogo, para testar os limites da linguagem em suas travessias. Umberto Eco: “Uma tradução, mesmo errada, permite que se retorne de alguma maneira ao texto de partida”, isto é: “o texto B na língua Beta é a tradução do texto A na língua Alfa quando, retraduzindo B para a língua Alfa, o texto obtido A2 tem, de alguma maneira, o mesmo sentido que o texto A”. Soa complicado, mas não é. É a brincadeira do telefone sem fio, aqui com apenas três brincando: Machado, Meyer-Clason e o degas. Mas podem ser muitos mais elos na corrente, e com idas e voltas também. Se alguém quiser passar a minha tradução para o javanês, fique à vontade! Eu adoraria ler, se soubesse javanês. O que passa ileso? Praticamente nada. Assimetrias sistêmicas entre os idiomas, deslocamentos culturais, as preferências pessoais dos tradutores (existem mesmo sinônimos ou absolutamente toda palavra tem um quê próprio?), os banais lapsos de leitura — tudo conspira para a divergência. Na minha empreitada específica, ainda por cima, tinha o esforço de imitar o tom e o estilo machadianos, usar palavras de época, ser intencionalmente anacrônico, mas de nada valeu: saiu diferente. Na penúltima revisão, anos atrás, em 3 mil palavras eu detectei uma única frase idêntica entre o A e o A2. Desta vez, nem comparei — melhor publicar. Se alguém se dispuser… segue o link do original (em grafia de época). No fim, é o mesmo texto? Ou só segue atendendo pelo mesmo nome depois de incontáveis mudanças, como a gente? Segue abaixo meu pseudo-Machado, infiel e reversível. O avesso do avesso. Uma senhora “Machado de Assis” Não posso encontrar esta senhora sem pensar na profecia que uma lagartixa fez ao poeta Heine durante sua escalada dos Apeninos: “Virá um dia em que as pedras se tornarão plantas, as plantas, animais, os animais, homens, e os homens, deuses”. Então me acomete o desejo de dizer-lhe: “A senhora, prezada Dona Camila, amou tanto a juventude e a beleza que atrasou o seu relógio para ver se esses dois minutos de cristal podem ser paralisados. Não se desconsole, Dona Camila. No dia que a lagartixa anunciou, a senhora se tornará Hebe, a deusa da juventude, e nos servirá o néctar da perenidade em suas mãos eternamente jovens”. Quando a vi pela primeira vez, ela tinha trinta e seis anos, apesar de aparentar apenas trinta e dois e ainda habitar a “casa” dos vinte e nove. Casa é modo de dizer. Não há palácio mais espaçoso que a morada desses amigos, nenhum […]

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