Ensaio | Parêntese

Vitor Necchi: O que aprendi com pessoas negras e mulheres

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Vitor Necchi: O que aprendi com pessoas negras e mulheres As negras e os negros me ensinaram que é preciso ouvir o que têm a dizer. Com as mulheres, também aprendi que devem ser ouvidas. Esse processo básico de escuta e reconhecimento não precisaria ser reivindicado em um mundo pautado pelo respeito, mas a violência e o preconceito que estruturam a sociedade brasileira silenciaram e seguem amordaçando a população negra, as mulheres, os povos originários, a população LGBTI+ e tantos outros grupos que tenham condição, traço, comportamento ou expressão que destoem de quem detém o poder, ou seja, quase sempre homens brancos, cis e héteros – ou supostamente héteros, pois a experiência humana mostra que a heterossexualidade pode ser uma condição provisória. Iniciei este texto no Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, celebração alusiva ao episódio ocorrido em 28 de junho de 1969 em Nova York, quando os frequentadores do bar Stonewall Inn se insurgiram contra a violência da polícia que constantemente importunava e agredia o público do local. Se comecei evocando o que aprendi com negras, negros e mulheres, é porque essas vozes e outras ainda precisam ser ouvidas. E se penso essas questões justamente em uma data que pauta o meu orgulho é porque há poucos dias, mais uma vez, questionaram minha voz e, portanto, de muito mais gente, porque as mordaças nunca são individuais. Nos últimos anos, ganharam visibilidade no Brasil as chamadas pautas identitárias, que tratam dos interesses e das perspectivas de grupos que buscam visibilidade social e o atendimento de suas reivindicações. Entre os temas que mais articulam esse debate estão gênero, orientação sexual, etnia e raça, promovidos por pessoas que querem respeito, legitimidade e inclusão. Na contramão disso, também se percebeu um recrudescimento dos discursos de ódio e da violência contra esses mesmo grupos, pois a intolerância habitual não admite ser afrontada. Algo previsível. O surpreendente, no entanto, é a tentativa de deslegitimar e enfraquecer as pautas identitárias, acusadas de esvaziarem categorias mais tradicionais e amplas, como classe social. Os detratores alegam que a agenda identitária fragmenta o campo político e sustentam que esse mesmo campo poderia atender às demandas dos diversos grupos. Se a agenda política tradicional realmente fosse suficiente para contemplar as reivindicações das pautas identitárias, ou seus artífices são incompetentes ou – opção que me convence – desprezam o que negras, negros, mulheres, índios e pessoas LGBTI+ relatam sobre si. É difícil convencer a quem diariamente sofre violência que suas demandas, em um país fraturado e bruto como o Brasil, são contempladas pela política praticada desde sempre. Há outra questão desprezada por quem critica as pautas identitárias. Raça, gênero, orientação sexual, classe e outras categorias de opressão se somam, dependendo da pessoa. Se analisadas de maneira isolada, não dão conta da especificidade da violência. As condições, quando combinadas, agravam problemas que originalmente poderiam ser classificados apenas como de classe. Nos extratos sociais empobrecidos, negros têm mais desvantagens do que brancos. Um gay considerado afeminado enfrenta mais rechaço do que outro que não é. Uma mulher negra sofre mais violência obstétrica do que […]

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As negras e os negros me ensinaram que é preciso ouvir o que têm a dizer. Com as mulheres, também aprendi que devem ser ouvidas. Esse processo básico de escuta e reconhecimento não precisaria ser reivindicado em um mundo pautado pelo respeito, mas a violência e o preconceito que estruturam a sociedade brasileira silenciaram e seguem amordaçando a população negra, as mulheres, os povos originários, a população LGBTI+ e tantos outros grupos que tenham condição, traço, comportamento ou expressão que destoem de quem detém o poder, ou seja, quase sempre homens brancos, cis e héteros – ou supostamente héteros, pois a experiência humana mostra que a heterossexualidade pode ser uma condição provisória. Iniciei este texto no Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, celebração alusiva ao episódio ocorrido em 28 de junho de 1969 em Nova York, quando os frequentadores do bar Stonewall Inn se insurgiram contra a violência da polícia que constantemente importunava e agredia o público do local. Se comecei evocando o que aprendi com negras, negros e mulheres, é porque essas vozes e outras ainda precisam ser ouvidas. E se penso essas questões justamente em uma data que pauta o meu orgulho é porque há poucos dias, mais uma vez, questionaram minha voz e, portanto, de muito mais gente, porque as mordaças nunca são individuais. Nos últimos anos, ganharam visibilidade no Brasil as chamadas pautas identitárias, que tratam dos interesses e das perspectivas de grupos que buscam visibilidade social e o atendimento de suas reivindicações. Entre os temas que mais articulam esse debate estão gênero, orientação sexual, etnia e raça, promovidos por pessoas que querem respeito, legitimidade e inclusão. Na contramão disso, também se percebeu um recrudescimento dos discursos de ódio e da violência contra esses mesmo grupos, pois a intolerância habitual não admite ser afrontada. Algo previsível. O surpreendente, no entanto, é a tentativa de deslegitimar e enfraquecer as pautas identitárias, acusadas de esvaziarem categorias mais tradicionais e amplas, como classe social. Os detratores alegam que a agenda identitária fragmenta o campo político e sustentam que esse mesmo campo poderia atender às demandas dos diversos grupos. Se a agenda política tradicional realmente fosse suficiente para contemplar as reivindicações das pautas identitárias, ou seus artífices são incompetentes ou – opção que me convence – desprezam o que negras, negros, mulheres, índios e pessoas LGBTI+ relatam sobre si. É difícil convencer a quem diariamente sofre violência que suas demandas, em um país fraturado e bruto como o Brasil, são contempladas pela política praticada desde sempre. Há outra questão desprezada por quem critica as pautas identitárias. Raça, gênero, orientação sexual, classe e outras categorias de opressão se somam, dependendo da pessoa. Se analisadas de maneira isolada, não dão conta da especificidade da violência. As condições, quando combinadas, agravam problemas que originalmente poderiam ser classificados apenas como de classe. Nos extratos sociais empobrecidos, negros têm mais desvantagens do que brancos. Um gay considerado afeminado enfrenta mais rechaço do que outro que não é. Uma mulher negra sofre mais violência obstétrica do que […]

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