Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

A dura vida da família Roy

Change Size Text
A dura vida da família Roy HBO/Divulgação

Estimados leitores, eu desisti do meu plano A, que era ganhar bilhões de dólares e viver como um jet setter internacional em algum mega iate no Mediterrâneo. A se levar a sério o que a gente vê na celebradíssima série Succession, achei melhor escolher o plano B, que era ser gerente do Banco do Brasil e curtir a colônia de férias que eles devem ter na praia – só que deu errado. O plano C é este que vocês estão vendo.

Succession estreia sua quarta e última temporada, e eu acho que todos vamos misturar tristeza com alívio, porque aquela ruindade familiar profissional acaba com a saúde da pessoa, e com o sonho e ilusão de que família possa, em algum lugar e de algum jeito, ser algo bom.

Ao menos no mundo bilionário, família é transacional. Você vale pelo que você agrega de valor, e em euros, dólares ou renminbi. No caso dos Roy, você vale o que o patriarca, Logan Roy, acha que você vale, e ele tem muitas dúvidas que algum dos filhos valha alguma coisa.

O drama de um patriarca é que ele sempre acha que nenhum filho está à altura da missão – substituir o patriarca com o carro andando. E a sua presença no sistema é a garantia maior de que a sucessão não vai dar certo. Enquanto isso, os filhos competem o tempo inteiro pelo amor do pai – que basicamente não existe – e pelo poder, que ele nunca vai ceder.

Como família, o desastre está assegurado, mas como série o argumento rende, e como rende. E não é de hoje. O Rei Lear é essencialmente isso; a ótima série australiana The Straits, com o mesmo Brian Cox que faz Logan Roy, e talvez mesmo a dinastia Kim da Coreia do Norte, todos vivam o mesmo drama, com a diferença que com os Kim a coisa tende a acabar na morte de todos os envolvidos.

Mas, me disperso: Succession recomeça para terminar, e esse é o grande assunto destes idos de março.

Os filhos de Logan Roy se distinguem pela absoluta falta de empatia para com toda a espécie humana não formada por bilionários, e mesmo pra esses o carinho é mínimo. A gente vê que esse povo respira nitrogênio e come ouro em pó. Eles não são como você ou eu. Pra eles, a pior forma de tortura é ter que voar comercial, como humanos comuns.

Os atores são um espetáculo. Uns mais, uns menos. Jeremy Strong, que faz o bananíssimo Kendall Roy, insiste em uma técnica de atuação que exige que ele passe o tempo inteiro no papel, o que irrita a equipe e Brian Cox em particular. Kieran Culkin, irmão do tadinho do Macaulay, mostra que é ator pra valer no papel do amoral Roman. A irmã, Shiv, é o rostinho bonito e o lado malvado com os homens em geral e com o marido em particular, não que ele não mereça.

Os Roy são donos de um conglomerado global das comunicações e entretenimento, claro que baseados nos Murdoch, donos da Fox News e responsáveis em boa parte pelo atual pesadelo americano. Os Murdoch são o paradigma dessa classe de bilionários que não sentem como você ou eu, porque eles não sentem.

Succession é a HBO no que eles fazem de melhor: altíssima qualidade narrativa e ficcional, televisão e streaming como ninguém mais faz – mesmo que a Netflix e Amazon tenham seus momentos. A HBO tem qualidade no DNA, sorte a nossa.

Vamos curtir todos essa temporada de Succession porque é a última. Dói, e alivia.

A ela então, e depois a gente vê o que achou.

PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?