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Bebel Gilberto canta o amor agora

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Bebel Gilberto canta o amor agora Foto: Luigi & Iango/Divulgação

Há dois anos, Bebel Gilberto decidiu trocar Nova York, onde nasceu e viveu as três últimas décadas, pelo Rio de Janeiro. A intérprete voltou ao Brasil para poder ficar mais perto dos pais, a cantora Miúcha (1937 – 2018) e o gênio da bossa nova João Gilberto (1931 – 2019), sem imaginar que logo perderia ambos no curto período de seis meses. Essas mortes chegaram durante a gestação de Agora, novo álbum de Bebel – o mais íntimo e confessional de sua carreira.

Primeiro trabalho de estúdio da artista em seis anos, Agora reúne 11 músicas inéditas, produzidas pelo músico norte-americano Thomas Bartlett, e terá lançamento mundial nesta sexta-feira (21/8) pela gravadora belga [PIAS] Recordings (vinil, CD e plataformas digitais). Responsável pelo som de grandes nomes da música internacional – como Norah JonesFlorence + The MachineSufjan StevensSt. Vincent e Yoko Ono –, Bartlett divide com Bebel a autoria de todas as faixas. Mart’nália participa de uma das músicas, Na Cara, na qual também aparece como coautora.

O lançamento do novo álbum coincide com duas datas importantes na trajetória da artista. Há 40 anos, uma adolescente e insegura Bebel, então com 14 anos, estreava ao lado do pai cantando Chega de Saudade em um especial de tevê que se tornaria icônico. E há 20 anos, o seu primeiro disco internacional, Tanto Tempo (2000), estourou no mundo com quase 3 milhões de cópias vendidas, alçando a cantora à categoria de diva de um novo gênero, a bossa nova eletrônica. 

Bebel descreve o processo de produção do novo álbum como leve e fluido – apesar de profundo e extremamente criativo. O trabalho começou no estúdio de Bartlett, em Nova York, despretensiosamente, e terminou com 17 canções compostas entre 2017 e 2019 – Agora inclui 11 delas. Com sua voz suave e sussurrada, a cantora desfila um punhado de temas românticos e sensuais, em que a batida diferente da bossa está novamente presente, mas cuja essência é um pop sofisticado e de sonoridade repleta de evocações eletrônicas ambientais – que remetem ao trabalho de outras artistas como a norte-americana Lana Del Rey, a francesa Charlotte Gainsbourg e a brasileira Céu.

Na entrevista exclusiva a seguir, Bebel Gilberto comenta sobre a concepção e a gravação de Agora, a parceria com Thomas Bartlett, a importância de Miúcha e João Gilberto e o país que reencontrou nesta nova fase da vida aqui no Brasil: “Sinto muita tristeza e revolta pela forma como o governo atual vem desmontando a indústria cultural brasileira e tenho ficado ainda mais perplexa pela atuação dos governantes diante da pandemia. É muita falta de responsabilidade e bom senso! Mas não acho que estaria melhor nos EUA…”.

Seis anos separam o lançamento de Agora do seu disco anterior, Tudo (2014). Por que tanto tempo entre um e outro?

Me sentia cada vez menos motivada a começar a gravar um disco novo… Muita coisa mudou na indústria musical nos últimos anos e por isso esse projeto é tão especial. É totalmente espontâneo e verdadeiro.

O novo disco tem uma sonoridade elegante – uma característica do seu trabalho, aliás –, climática, envolvente e um tanto retrô. Como foi trabalhar novamente em parceria com o produtor Thomas Bartlett, que ainda divide com você a autoria de todas as faixas?

Compor com Thomas me fez lembrar que a gente não precisa sofrer tanto pra criar. Foi muito mágico. Ele conhece muito bem o meu gosto musical e isso facilitou muito o processo. Quando começamos, não tínhamos um contrato com uma gravadora ou qualquer compromisso em ter que fazer um disco naquele momento, então tudo fluiu de uma forma muito mais suave.

O amor e os relacionamentos são os temas de Agora. Comente sobre as letras das canções do novo disco, por favor.

Minhas vivências estão sempre presentes nas composições, e Agora traz pedacinhos da minha vida em diversas canções. Às vezes em metáforas, outras mais diretamente. Usar essas experiências na música é também uma forma de refletir sobre essas vivências. Para mim, é quase uma terapia! Tão Bom, por exemplo, foi escrita como uma carta de amor ao Thomas. Cliché foi uma das últimas músicas a serem compostas, por insistência do Thomas em querer explorar novas ideias. A letra fala dos clichês que gostamos quando estamos apaixonados: namorar o nascer da lua, andar na beira do mar, ver um filme na TV enroladinho…

Em Agora, você gravou novamente uma música inteira em inglês (Yet Another Love Song) e outra em espanhol (Bolero). Como anda a sua carreira no exterior?

Quase todas as músicas de Agora foram escritas em português propositalmente. Foi uma escolha nossa, minha e do Thomas. Nunca tinha feito uma música em espanhol, mas era um desejo antigo. Sigo fazendo muitos shows em lugares incríveis mundo afora, especialmente nos EUA e Europa. A turnê de Agora já estava toda desenhada, com mais de 30 shows confirmados na Europa, EUA e Canadá. Alguns já foram remarcados para maio do ano que vem, mas sabemos que isso ainda pode mudar. Tenho administrado a quarentena com muita tranquilidade, a única coisa que sinto falta realmente é de fazer shows.

Entre o final de 2018 e meados de 2019, você perdeu ambos os pais, Miúcha e João Gilberto. De que maneira essas ausências em um curto período de tempo de seis meses influenciaram na criação e gravação de Agora? Como você avalia a importância deles na música brasileira?

As músicas já estavam prontas quando perdi meus pais, mas essas ausências estavam lá durante o processo de produção do disco, na atmosfera de melancolia, nostalgia… Papai era um músico excepcional, obcecado pela perfeição, criou uma forma única de cantar e tocar, levou a música brasileira para os quatro cantos do mundo. Mamãe era uma explosão de carisma no palco, com voz doce, sempre alegre, fez história com a turnê ao lado de Tom, Vinícius e Toquinho. Eles me ensinaram muito e continuam me ensinando.

Você voltou recentemente a morar no Rio de Janeiro, depois de viver por três décadas em Nova York. Como foi esse reencontro com o Brasil? Como você vê a situação atual no país, cujo governo federal hostiliza francamente a cultura e os artistas? 

Voltei para ficar perto dos meus pais quando mamãe adoeceu e decidi adotar o Rio de Janeiro como base. Vivo viajando por conta do trabalho, ainda passo muito tempo em Nova York, mas o Rio é o lugar que eu chamo de casa. Cheguei em março para ficar somente 15 dias, depois de uma turnê no Japão, mas logo depois veio a pandemia e aqui estamos. Sinto muita tristeza e revolta pela forma como o governo atual vem desmontando a indústria cultural brasileira e tenho ficado ainda mais perplexa pela atuação dos governantes diante da pandemia. É muita falta de responsabilidade e bom senso! Mas não acho que estaria melhor nos EUA… Mais do que nunca, temos que entender que este momento é de muita atenção e cuidado.

O que você tem escutado atualmente?

Meu vício atualmente é a Billie Eilish. É muito impressionante ouvir o trabalho tão poderoso de uma menina tão jovem. Björk, Billie Holiday, Charlotte Gainsbourg, Sade, Amy Winehouse, Miles Davis, Ella Fitzgerald, Prince, Chico e Gilberto Gil são outros artistas que não saem da minha playlist.  

Assista ao clipe de Na Cara, com a participação de Mart’nália:

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