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Kiko Dinucci apresenta “Rastilho” e divide palco com Juçara Marçal no Opinião

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Kiko Dinucci apresenta “Rastilho” e divide palco com Juçara Marçal no Opinião Kiko Dinucci. Foto: Luan Cardoso

Um dos nomes mais inventivos da música brasileira contemporânea, Kiko Dinucci sobe ao palco do Opinião na próxima quarta-feira (6/4), a partir das 21h, para apresentar o álbum Rastilho (Tratore). Logo após, na mesma noite, o músico participa do show Delta Estácio Blues, de Juçara Marçal leia a entrevista com a cantora.

Considerado o melhor disco de 2020 pela Associação Paulista de Críticos de Arte –, Rastilho confere protagonismo a sonoridades do violão inspiradas em artistas como Baden Powell, Geraldo Vandré e Rosinha de Valença.

“Meus seis primeiros discos foram feitos no violão, desde o Padê. Fui desenvolvendo um estilo próprio. A guitarra veio depois do disco MetaL MetaL [do grupo Metá Metá, de 2012], e nessa época também comecei a procurar uma linguagem própria na guitarra elétrica. O Rastilho é o retorno ao violão dos primeiros discos, com a experiência acumulada na minha trajetória artística”, conta o músico – leia a entrevista a seguir.

Rastilho é o segundo trabalho solo de Dinucci – o primeiro foi Cortes Curtos (2017). O álbum começa com a instrumental Exu Odara, tema tradicional do candomblé. “Tenho profundo amor por esse orixá. Ele é fundamental. Sem ele, nada se faz. Na cosmogonia iorubá, Exu é a ordem do universo, o poder dinâmico que faz as coisas do mundo se relacionarem e gerarem ação, reação”, explica o músico.

“Sempre digo que o Brasil só dará certo no dia em que conhecer Exu, e o brasileiro se reconhecer em Exu. Daí o Brasil vai voar, vai enterrar a cultura racista e escravagista de vez”, completa Dinucci, que em 2006 dirigiu o documentário Dança das Cabaças – Exu no Brasil.

Como em outros trabalhos do músico, a relação com a religiosidade de matriz africana e sua musicalidade estão presentes em Rastilho. A segunda faixa, Olodé, saúda orixás caçadores com um coro formado por Dulce Monteiro, Graça Reis e Maraísa cantando em iorubá e acompanhadas de Juçara Marçal.

“Nos anos 1990, sentia que o samba tinha se afastado um pouco da sua relação com as religiões de influência africana do Brasil. Queria ouvir ao vivo elementos daquele samba que a Clementina de Jesus cantava. Então fui parar no jongo, na umbanda, no candomblé”, recorda Dinucci, que integra os grupos Metá Metá e Passo Torto e já colaborou com artistas como Criolo, Baco Exu do Blues, Elza Soares, Jards Macalé e Tom Zé.

Outro elemento marcante da poética de Dinucci, a crônica de personagens urbanos aparece na instrumental Marquito – referência a Marco Antônio Brás de Carvalho, desenhista mecânico e guerrilheiro, executado em 1969 pelo Comando de Caça aos Comunistas – e em Veneno, com participação do rapper paulistano Rodrigo Ogi: “Tenebroso/ Era assim o tal João/ Ficou tão famoso/ Por que dava surra em multidão”.

Em Febre do Rato, um protagonista inquieto ganha contornos: “Roubou a cena do culto na sessão/ Soltou um grito de morte, o mundo calou/ Duas feridas nasceram nas palmas das mãos/ Um fiel esconjurou/ Um outro perdeu a fé/ Mas um terceiro chorou de compaixão”.

Os versos das duas faixas remetem a personagens narrados por outras formações com a participação de Dinucci, como em Cidadão e Samuel, do primeiro álbum do Passo Torto – formado por Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos e Romulo Fróes.

Além da participação de Rodrigo Ogi, o álbum traz Ava Rocha em Dadá – apelido da cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva e nome de uma das personagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – e Juçara Marçal em Gaba – inspirada na princesa angolana Gaba Zacimba, escravizada no Brasil. A gravação e a mixagem em fita renderam a Rastilho o troféu de Melhor Gravação do Prêmio Multishow de Música Brasileira de 2020.

A capa de Rastilho é assinada pelo fotógrafo Pablo Saborido. Em um fio no Twitter publicado em 22 de janeiro de 2020, ao comentar o processo de criação da imagem, Dinucci descreve um contexto que seria atualizado e agravado com a pandemia: “Conversamos sobre dor, sobre o Brasil doente, morte, transformação, reação e resolvemos fotografar as frutas apodrecendo”.

A fotografia dialoga com o cenário putrefato da faixa-título, que encerra o disco: “Os moribundos dançam/ As moscas já nos cobrem/ Ninguém pode parar/ Nem fé, amor ou sorte/ Vamos explodir, vamos explodir”.

Na entrevista a seguir, Dinucci comenta o processo de criação de Rastilho, sua admiração por Exu, as influências musicais e audiovisuais do álbum e o EP VHS (2021), “um filho opositor de Rastilho”.

Como foi o processo de concepção e a gravação de Rastilho? Gostaria que você falasse um pouco sobre a gravação e mixagem em fita e como essa escolha contribuiu para a atmosfera do disco.

A sonoridade do Rastilho foi muito inspirado em alguns discos de música brasileira dos anos 1960, de artistas como Baden Powell, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, Pedro Santos, Rosinha de Valença. Nessa época, se usava muito echo analógico. Então me baseei um pouco nessa gordura sonora que esses discos tinham. O fato de eu ter me acidentado [andando de skate] e ter passado um mês internado no hospital tomando morfina, Rivotril, Tramal e outros remédios para aliviar dor ou ansiedade me inspirou para que o violão tivesse uma cara mais delirante e alucinada. Usamos na gravação reverb de mola, delay de fita e vários recursos para criarmos esse clima mais espacial que o disco tem.

O protagonismo do violão chama atenção, já que ultimamente você é bastante identificado com a guitarra. Como é a tua relação com o instrumento?

Meus seis primeiros discos foram feitos no violão, desde o Padê. Fui desenvolvendo um estilo próprio. A guitarra veio depois do disco MetaL MetaL [do Metá Metá, de 2012], e nessa época também comecei a procurar uma linguagem própria na guitarra elétrica. O Rastilho é o retorno ao violão dos primeiros discos, com a experiência acumulada na minha trajetória artística. Seria aquele violão antigo revisitado, repaginado. 

O álbum começa com a faixa Exu Odara. Você já dirigiu um filme sobre Exu, e com o Metá Metá fez a trilha do espetáculo Gira, do Grupo Corpo, também em torno do orixá. Poderia nos falar um pouco da tua relação com Exu e o imaginário dessa divindade?

Tenho profundo amor por esse orixá. Ele é fundamental. Sem ele, nada se faz. Na cosmogonia iorubá, Exu é a ordem do universo, o poder dinâmico que faz as coisas do mundo se relacionarem e gerarem ação, reação. Sem ele, tudo seria estático. Desde que comecei a me interessar pelo tema e depois de entrar pra religião, fui aprofundando o amor por Exu.

No imaginário brasileiro colonizador, ele foi associado ao diabo pela Igreja. Isso é muito errado, ele é Onibode Orun, o cara que cuida de tudo para Olodumarê e todos os orixás. Ele é o que fica na porta entre a outra dimensão e o mundo terrestre, que transporta nossas oferendas aos deuses. Sempre digo que o Brasil só dará certo no dia em que conhecer Exu, e o brasileiro se reconhecer em Exu. Daí o Brasil vai voar, vai enterrar a cultura racista e escravagista de vez. Por isso fiz a música Exu nas Escolas, gravada por Elza Soares.

Falando em Exu Odara, numa entrevista de mais de 10 anos ao Arrigo Barnabé, você traz um relato muito interessante sobre a tua iniciação nos terreiros a partir do samba. Como foram as descobertas desse processo?

O samba não é uma coisa brasileira que surgiu do nada, né? As pessoas às vezes esquecem disso. É influência bantu africana, como várias coisas da nossa cultura. Nos anos 1990, sentia que o samba tinha se afastado um pouco da sua relação com as religiões de influência africana do Brasil. Eu queria ouvir ao vivo elementos daquele samba que a Clementina de Jesus cantava. Então fui parar no jongo, na umbanda, no candomblé. Ali fui ficando e fui puxando toda uma teia interligada, um caminho sem fim. 

Poderia nos falar das inspirações audiovisuais de Rastilho?

As influências audiovisuais de Rastilho são os faroestes de Sérgio Leone e Glauber Rocha, passando por Bacurau [de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles]. O faroeste trabalha com símbolos fortes que refletem decisões drásticas de vida e morte. A tensão de dois atiradores se duelando é o símbolo maior do “tudo ou nada” que todo animal talvez viva um dia. Representa muito a natureza humana, sobretudo o universo masculino violento de afirmação pela violência. A ação e reação é o grande mote dos faroestes. Vários livros e contos do Guimarães Rosa retratam isso muito bem. 

Falando em audiovisual, o clipe de Olodé apresenta uma sequência acelerada de superfícies urbanas. No vídeo de Febre do Rato, um personagem circula pelas ruas de São Paulo. Qual o papel da cidade nas tuas composições?

Eu sou muito ligado à cidade, cada metro quadrado foi testemunha de alguma história. Eu adoro o cancioneiro brasileiro que conta história: Noel Rosa, Racionais MCs, Adoniran Barbosa, Aldir Blanc, Rodrigo Ogi, Dorival Caymmi, Douglas Germano, Wilson Batista, Geraldo Pereira… Esse lado cronista da música brasileira é uma grande escola pra mim. Por isso, minha música é sempre muito imagética, mesmo quando é instrumental.

Por fim, em 2021 você lançou o EP VHS, com uma única faixa de 20 minutos. De que forma ele se relaciona com Rastilho?

VHS é um filho opositor de Rastilho, mais radical, porém mais livre. Tem muito a ver com texturas, também. Foi um improviso selvagem onde nada foi pré-definido, a não ser a afinação que foi criada minutos antes da gravação. Ele faz parte de uma pesquisa sobre o violão que ainda está em processo, espero achar novos sons nesse instrumento. 

“Delta Estácio Blues” (Juçara Marçal) e “Rastilho” (Kiko Dinucci)

Onde: Opinião (Rua José do Patrocínio, 834 – Cidade Baixa – Porto Alegre)
Quando: 6 de abril de 2022, às 21h
Abertura da casa: 19h30
Ingressos:
Bilheteria oficial (sem taxa de conveniência – somente em dinheiro):
Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611 – Loja 249 – Jardim Lindóia – Porto Alegre)

Demais pontos de venda (sujeito à cobrança de taxa de conveniência – somente em dinheiro):
Loja Verse Centro (Rua dos Andradas, Galeria Chaves, 1.444 – Loja 06 – Centro Histórico, Porto Alegre)

Venda online pelo Sympla

Relembre as entrevistas com Romulo Fróes, parceiro de Dinucci no Passo Torto, e Thiago França, integrante do Metá Metá.

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