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O encontro jazzístico de Jonathan Ferr e KIAI

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O encontro jazzístico de Jonathan Ferr e KIAI Jonathan Ferr. Foto: Renan Oliveira

A programação musical do 24º Porto Verão Alegre apresenta uma de suas principais atrações na próxima quinta-feira (9/2), às 20h, no Instituto Ling, com um encontro inédito de artistas que afirmam as raízes negras, periféricas e permeáveis do jazz. Carioca do bairro Madureira, o músico Jonathan Ferr faz show com a banda KIAI, acompanhados de projeções do artista Raphael de Luca.

“Ainda não nos encontramos pessoalmente, mas conhecemos o trabalho dele desde o primeiro disco. É um daqueles encontros inesperados que fazem todo sentido”, conta Dionísio Souza (baixo), que integra a KIAI com Lucas Fê (bateria) e Marcelo Vaz (piano).

Lucas Fê (esquerda), Dionísio Souza (centro) e Marcelo Vaz (direita), integrantes da KIAI. Foto: Vitória Proença

A banda de Rio Grande é conhecida por definir seu estilo híbrido como “perifa jazz” – relembre a entrevista sobre o álbum KIAI II. “O jazz é percebido como um estilo elitizado, mas sabemos de suas origens periféricas, africanas e afro-estadunidenses. Mais do que um estilo, é uma atitude jazzística, de improvisação, da mesma família do hip hop”, reflete Souza.

O repertório da apresentação – ingressos à venda – mesclará trabalhos da KIAI e de Ferr, versões de outros artistas e faixas do álbum Liberdade, lançado pelo carioca em janeiro deste ano. O show integra uma série de atrações musicais do Porto Verão Alegre com curadoria de Guilherme Thiesen Netto e que inclui outras colaborações como Amaro Freitas e Xênia França, André Abujamra e Illegal Jo e Duda Brack e Ney Matogrosso – confira a programação aqui.

“Tinha visto um vídeo da KIAI no Instagram pouco antes do convite para o show. Não sei se foi o universo movimentando suas apostas ou uma feliz coincidência. Eles são músicos incríveis. Tivemos uma conversa online e nossos direcionamentos artísticos se afinaram muito”, conta Ferr, por telefone, ao desembarcar no aeroporto de Salvador poucas horas após o lançamento de Liberdade nas plataformas digitais.

A faixa Correnteza, primeira do novo álbum, introduz a ambiência sonora que caracteriza o trabalho, com elementos de diferentes estilos musicais. “Quis chegar nas fronteiras do jazz, do hip hop e do eletrônico para poder romper também os limites do artista que sou, quero ser e estou me tornando”, explica Ferr, que estudou na Escola de Música Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, e iniciou sua carreira integrando bandas de baile e grupos de rap na capital fluminense.

Aos 34 anos, o músico recorda que começou a ouvir jazz na mesma época em que iniciou seu mergulho no hip hop. “De um lado ouvia John Coltrane, de outro, Racionais MCs. Essa correlação sempre foi muito presente na minha vida. O jazz libertou o artista, o hip hop libertou o ser político.”

Jonathan Ferr. Foto: Renan Oliveira

Arte e política se misturam nas reflexões de Ferr desde a época em que ele se deslocava do subúrbio à zona sul do Rio de Janeiro para assistir a apresentações de jazz. “Me questionava muito por que não tinha jazz em Madureira. À medida que pensava nisso e construía minha carreira, o viés político e social perpassou essa inquietação, então me coloquei como alguém que levanta a bandeira da democratização do jazz.”

Os vocais de Kaê Guajajara na canção Liberdade surpreendem quem estava acostumado com os primeiros dois trabalhos de Ferr, os instrumentais Trilogia do Amor (2019) e Cura (2021). “Os versos finais (Exac wiramiri nehe) dessa música querem dizer: ‘olhe para o céu, os pássaros estão voando’”, traduz Ferr, destacando um componente fundamental, na sua opinião, para pensar o título do álbum.

“Liberdade é paz em movimento. A paz precisa se movimentar para se aperfeiçoar. Me compreendo melhor quando estou em movimento e criando ao meu redor”, reflete o músico. “O navio, quando está no cais, está seguro, mas ele foi feito para navegar. Eu quero ser o navio em alto-mar”, completa.

Jonathan Ferr. Foto: Renan Oliveira

As referências à água como elemento vinculado à liberdade ganham curso em faixas como Rio Nilo, com participações da rapper Stefanie e da cantora Luedji Luna, Mar Profundo, com a banda Tuyo, e Gota, que traz a cantora Tássia Reis e o beatmaker Black Alquimista.

Aquecendo as gotas e marés de Liberdade, a faixa Meu Sol reúne o rapper Rashid e o duo ÀVUÀ. “Todo mundo nasce com o sol do meio-dia aceso. Você vai crescendo, esse sol vai se apagando, mas temos que acender esse sol a pino e o sol dos outros para fazermos um grande clarão”, afirma Ferr, destacando como referência de suas reflexões solares a filosofia iorubá e a leitura das traduções de Tiganá Santanaleia a entrevista – para a obra do pensador congolês Bunseki Fu-Kiau (1934-2013).

O clipe de Meu Sol tem roteiro de Ferr, codireção do músico com Leo Ferraz e participação do ator Aílton Graça no papel de um homem negro que se torna presidente do Brasil. Ferr participa do vídeo como ativista do partido Irmandade, uma encenação presente em seus shows.

Lançado pelo selo slap, da Som Livre, Liberdade tem participações especiais em suas 10 faixas, nove delas inéditas – a única já lançada anteriormente é Lá Fora, gravada com Coruja BC1 e o rapper pelotense Zudizilla leia a entrevista. A última faixa, O Amor Não Morrerá, traz Ferr nos vocais com produção de Lossio. O álbum tem protagonismo de artistas negros, sobretudo de mulheres negras. “Falo muito de fluidez no álbum, e nada mais fluido que o feminino, que concebe e emancipa.”

Liberdade começou a ser concebido em 2021, quando Ferr se mudou para São Paulo, onde vive atualmente. “Esse disco tem a intenção de emancipar as pessoas nos vários lugares do afeto, da mente, da arte, do sonho, e vem de um processo anterior, de cura”, conta o músico, relacionando os títulos de seus últimos trabalhos.

Generoso em sua fala, Ferr encontra tempo para descrever seu entendimento de afrofuturismo – “vou criando utopias em imagens, ações, músicas, que espero fazer outras pessoas também enxergarem” – e espiritualidade: “somos garrafinhas do divino, projeções de uma coisa tão mágica, mística e complexa que é difícil encontrar esse lugar de espiritualidade, que não é religião, mas uma conexão com aquilo que te faz levantar todos os dias.”

Liberdade, na visão do músico, contribui para criar esse espaço de conexão. “Esse disco tem a intenção de que as pessoas façam um mergulho profundo em seus mistérios e universos interiores.”

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quinta-feira, 09 a 09 de fevereiro de 2023 | 20h00

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