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Após quatro anos parado, Fumproarte prepara novo edital

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Após quatro anos parado, Fumproarte prepara novo edital

Desde 2016 sem nenhuma chamada pública e apenas pagando o passivo de projetos passados, o tradicional programa de fomento cultural da prefeitura de Porto Alegre projeta seu retorno no segundo semestre deste ano.

A Secretaria Municipal de Cultura (SMC) de Porto Alegre prepara o anúncio, em março, do primeiro edital do Fumproarte da atual gestão. Ainda não há valor estipulado para a chamada pública, mas independentemente do volume de recursos, será um feito importante: desde 2016, o Fumproarte está parado, sem novos concursos, funcionando apenas para pagar dívidas de editais anteriores.

“Temos um cronograma mensal de pagamentos para quitar todos os débitos neste primeiro trimestre de 2020. O novo edital deve sair no segundo semestre”, revelou o secretário Luciano Alabarse em uma reunião extraordinária do Conselho Municipal de Cultura para prestação de contas.

No final do ano passado, quando a Câmara Municipal aprovou uma lei permitindo o uso de verba carimbada para cultura e meio ambiente para o pagamento de dívidas da prefeitura, o alerta acendeu na comunidade artística de Porto Alegre. O temor era que o Fumproarte, um fundo público pioneiro no Brasil e dedicado a financiar projetos artísticos, pudesse estar em risco.

Criado em 1993, quando apenas 33 dos mais de 5 mil municípios brasileiros tinham um fundo de cultura, o Fumproarte chegou a destinar, no passado, quase R$ 4 milhões anuais para novos projetos artísticos da cidade, em valores corrigidos.

Beneficiou anônimos e gente de peso da cultura do Rio Grande do Sul. O antológico disco Ramilonga, de Vitor Ramil, foi financiado pelo fundo em 1996. Vinte anos depois, um dos projetos vencedores na área musical foi o álbum Controversa, de Adriana Deffenti, lançado apenas em novembro do ano passado.

Na lista do acervo do Fumproarte, desfilam nomes como o de Paulo Flores e a Terreira da Tribo, no teatro; Liliana Sulzbach, Otto Guerra, a Casa de Cinema de Porto Alegre, no cinema; Gaudêncio Fidelis e o fotógrafo Luiz Eduardo Achutti, nas artes visuais; Cintia Moscovitch, Leticia Wierzchowski e Sergio Napp, na literatura.

“A função do Fumproarte não é somente financiar os artistas, mas proporcionar o acesso democrático à cultura. Todos os projetos têm cotas de entrega gratuitas, seja em exemplares, quando se trata de livros ou discos, ou apresentações, nos casos dos espetáculos”, destaca Hamilton Leite, integrante do grupo de teatro de rua Oigalê e um dos atuais conselheiros de cultura do município.

Ao longo de 22 anos, quase 900 obras foram financiadas com o apoio dos editais que, de acordo com a lei, deveriam acontecer pelo menos duas vezes ao ano. “Nem o Fumproarte nem o Funcultura vão acabar”, garante Alabarse.

Calote sem previsão

O novo edital do Fumproarte só será aberto quando o saldo negativo – atualmente em quase R$ 600 mil – for zerado. Além de projetos de anos anteriores, o Fumproarte também deve a pareceristas das comissões de seleção.

Segundo os relatórios da gerência do fundo, a atual gestão herdou mais de R$ 2 milhões em dívidas do governo anterior – a maior parte referente ao edital de 2016 (R$ 1,4 milhão) que não teve os registros de empenho das verbas localizados no sistema da prefeitura. Sem os empenhos, que são a formalização de uma dívida da prefeitura no sistema da Secretaria da Fazenda, não é possível pagar aos credores.

“Eram 22 projetos e nenhum empenho. Não foi fácil essa negociação com a Secretaria da Fazenda, porque havia base legal para que a prefeitura não executasse esse pagamento. Pagar os artistas foi uma opção da qual me orgulho”, diz Alabarse.

O restante do saldo devedor era de projetos ainda anteriores – alguns datavam de 2013. A opção foi cancelar novas chamadas públicas até acertar as contas. No primeiro ano da atual gestão, foram pagos apenas dívidas inferiores a R$ 15 mil já empenhadas, o que representou um desembolso total de R$ 155,4 mil ao longo do exercício. Em 2018, foram R$ 430,7 mil para 21 projetos e, em 2019, 15 projetos antigos receberam R$ 808,5 mil.

Legislação descumprida

A verdade é que a lei que rege o Fumproarte nunca foi cumprida. A dotação orçamentária prevê a destinação de recursos da prefeitura equivalentes a 3% da parcela do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a que Porto Alegre tem direito todos os anos. Em 2019, esse percentual significaria R$ 8,5 milhões – já que, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, o repasse total do FPM no ano passado foi de R$ 284,5 milhões.

Se a regra fosse obedecida, as dívidas já deveriam ter sido pagas. “Se cumprissem a lei, poderiam ter pago toda a dívida no primeiro ano de mandato e voltado a investir”, critica o ator e conselheiro Hamilton Leite, que está reunindo documentos e apoios para tentar fazer valer a legislação.

Somados os desembolsos já feitos pela atual gestão e aqueles ainda previstos pelo para acertar as contas com os artistas, foram desembolsados pouco menos de R$ 2 milhões em quatro anos. Se o percentual legal fosse respeitado, ao longo dos quatro anos do mandato do prefeito Nelson Marchezan Júnior, o investimento estaria na casa do R$ 30 milhões.

O valor destinado ao Fumproarte na atual gestão é a metade do que foi investido em 2007 – já corrigido pela inflação -, segundo um levantamento feito pela gerência do fundo e atualizado pela reportagem. Analisando o histórico, fica clara a queda nos repasses a partir de 2012, depois de ter atingido seu ápice, na gestão do prefeito José Fogaça (MDB).

Hamilton Leite vai denunciar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado o não cumprimento da regra para pressionar os próximos governos – e projeta colher assinaturas de todos os candidatos ao Paço Municipal na eleição de outubro, para que se comprometam em fazer valer a lei.

O Fumproarte é o irmão mais novo do Funcultura, criado em 1988 – antes de promulgada a Constituição – e se baseia no mesmo parâmetro de cálculo de recursos. Mas enquanto o primeiro recebe verba do tesouro municipal e é dedicado ao fomento de novos projetos artísticos, o dinheiro do Funcultura vem diretamente do repasse do FPM – é um reforço do caixa operacional da SMC. Com ele, é possível fazer de tudo: desde manutenção e pequenas reformas em espaços culturais até o pagamento de espetáculos artísticos e eventos.

“Tínhamos liberdade para gerir os recursos e sabíamos que dava para contar com eles para custos mais imediatos, sem o engessamento da máquina burocrática. Nos dava agilidade”, recorda Andrea Bonow, ex-coordenadora financeira e de planejamento da Secretaria Municipal de Cultura.

Segundo os dados da SMC, em 2019, a dotação orçamentária do Funcultura chegou perto da exigida em lei: foram R$ 8,1 milhões, 2,85% do total do FPM. Porém, só foram empenhados pouco mais de 10%, R$ 884 mil.

No caso do Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, o terceiro remanescente entre quatro (depois que o Monumenta foi extinto pela nova legislação em uma operação controversa), a execução orçamentária também fica muito abaixo do previsto em lei. Em 2019, foram requisitados ao fundo, por meio de projetos, pouco menos de R$ 550 mil, dos quais apenas R$ 144 mil foram liberados pelo Poder Executivo.

Casa Fumproarte recebe oficinas

Sem recursos para manter os editais abertos, o gerente do Fumproarte, Miguel Sisto, angariou força de trabalho na secretaria para reformar uma casa antiga na avenida Venâncio Aires, onde agora funciona a administração do fundo. “Antes esse lugar era um depósito de móveis velhos”, diz ele, guiando uma visita ao local. O novo local conta com uma galeria de arte, espaço para o acervo do fundo, salas de reuniões e até um pátio onde acontecem atividades culturais aos finais de semana.

A reforma foi realizada por servidores públicos e pelos integrantes do Foto Clube Porto-Alegrense, que expoẽm no local. Diariamente, a casa recebe oficinas de artistas: entre as atividades, há aulas de ballet e de percussão só para mulheres. O contato para frequentar deve ser feito diretamente com os artistas.

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