Entrevista

Vitor Ramil: De Pelotas à Avenida Angélica

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Vitor Ramil: De Pelotas à Avenida Angélica Vitor Ramil (Foto: Marcelo Freda Soares)

Vitor Ramil colocou o e-mail para funcionar e respondeu às perguntas de Luís Augusto Fischer para a Parêntese. Nessa troca de mensagens, que publicamos momentos antes do show de lançamento do seu álbum Avenida Angélica (a reportagem sobre o álbum você lê no site Roger Lerina), Vitor retomou os períodos entre Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. As histórias também abordam momentos vividos em Buenos Aires e na Califórnia da canção, em como Vitor compreende seu público e de que jeito ele já lidou com as vaias. Há também momentos em que o músico e romancista revela questões sobre ler e escrever, em que fala sobre sua maneira de ser e reconta cenas que revelam um pouco sobre seu comportamento. Lemos ainda sobre a presença de nomes importantes que estiveram no percurso do artista e, é claro, Angélica Freitas. Vitor nos conta como Angélica e ele cruzaram caminhos e fizeram nascer as canções desse novo trabalho. 


Parêntese – Olhando da altura dos 60 anos, uma pergunta estranha me ocorre: por que aquele jovem Vitor Ramil não escolheu morar em São Paulo lá em seus vinte anos? O Rio era o centro da indústria fonográfica, claro, mas de muitos modos a tua música e o teu horizonte eram marcados por São Paulo, a vanguarda e tal, por exemplo a poesia concreta e aquela impressionante quantidade de traduções criativas que eles disponibilizaram em português.

Vitor – Aos 60 posso responder com segurança que me tornei aquilo que eu era. Se pudesses inverter o tempo e perguntar ao jovem por que ele escolherá viver como vivo aos 60, relativamente isolado, na Noa Noa que inventei para mim mesmo desde a infância e para a qual me mudei fisicamente aos 30, ele te diria que é porque o tempo vai lhe dar a convicção de que essa condição o fortalece. Como diz o menino narrador do Pequod, eu sempre brinquei sozinho. São Paulo ou Rio não faria muita diferença para mim naquela época. Eu pouco sairia de casa em SP como pouco saí no Rio. Só fui para lá depois de estar casado e com filho. E no Rio já estava metade dos Ramil. Se a família estivesse em São Paulo, eu talvez tivesse ido para lá. A vida familiar sempre me alimentou. No mais, estou sempre muito dentro da minha cabeça. Embora eu seja muito afetivo, minha sociabilidade é precária. Gosto mais de pensar sobre a ação do que de fazer parte dela. Hoje me parece óbvio que voltaria sem demora para Pelotas, para esta casa que está nas duas pontas do arco da minha vida. Felizmente tocou a mim cuidar dela.  

P – E estendo a especulação: o que poderia ter ocorrido se tivesse sido lá a tua base no centro do país? Que interlocuções poderiam ter sido armadas? Que caminhos se abririam, que caminhos se fechariam?

V – Entendo que, olhando retrospectivamente, São Paulo tenha mais a ver comigo. Mas, num paradoxo, o maior empecilho para os caminhos se abrirem ou mesmo se fecharem seria o fato de eu estar lá. Desde que voltei para o interior do RS eles se abriram em toda parte, talvez principalmente em SP. Eu me comunico com muita gente de longe. Não que não fosse gostar de me comunicar de perto, mas, infelizmente, nunca tive jeito para isso. Gosto dos longes. Funciono melhor como um flâneur de tudo. O Chico César conta uma história divertida. Eu estava hospedado na casa dele no começo dos anos 2000, enquanto fazia uma temporada de shows de lançamento do Tambong em SP. Um dia, ele, que é um agregador, organizou uma festinha em casa. Entendi só muito tempo depois, porque ele contou, que a festinha de certa forma era para mim, para me apresentar à turma dele e tal. Mas, assim que o movimento se formou, fui me deitar. Ele conta rindo que foi me espiar no quarto e eu estava deitado, tapado até o pescoço, lendo. Por um lado eu nunca imaginaria que pudesse acontecer uma festinha em consideração a mim; por outro, não saberia como me comportar nela.  

P – Qual era o teu momento estético, a tua convicção estética, quando te ocorreu voltar a morar no RS, em Pelotas? Havia frustração com o que tu tinhas obtido até então?

V – Havia um misto de frustração com excitação. Não é fácil voltar para o interior quando vencedor é o que vai para os grandes centros. Mas ao mesmo tempo eu estava excitadíssimo com o fato de voltar a morar na velha casa. Sempre fui um romântico nesse sentido, e a casa atiça a minha imaginação desde a mais tenra idade. Eu sabia que tinha muito a ganhar estando dentro dela outra vez. Estava escrevendo o Pequod, cujo cenário era justamente a casa; voltava para o Sul com a estética do frio na cabeça e no horizonte; estava compondo com desenvoltura depois dos períodos secos e verborrágicos do Barão de Satolep; o álbum Ramilonga vinha se criando. Era um momento rico para mim, mas que dificilmente encontraria campo para se desenvolver no mercado do centro do país naquele momento. Quando adolescente o Chico Buarque me atraía muito como artista não só por sua obra, mas também porque nunca aparecia na televisão, quase não fazia shows, era bajo perfil e ainda assim conseguia levar sua carreira. Queria isso, aquela reserva toda, e essa também era uma das promessas de Satolep para mim.

P – Como tu poderias descrever teu público, aqui no RS, no sul do Brasil e em outras partes do Brasil? E fora, no Uruguai e na Argentina, tu consegues ver quem são? Tem como? Há um perfil? Há regiões marcadas, salientes, perceptíveis? Há grupos socialmente claros?

[Continua...]

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