Juremir Machado da Silva

A marcha do progresso

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A marcha do progresso Bairros de Maceió foram desocupados por risco de afundamento | Foto: Gésio Passos/Agência Brasil

A ideologia da modernidade é o progresso. Razão dominadora e triunfante. Utopia tecnológica. A modernidade, ensina Michel Maffesoli, tem três eixos: progresso, razão e emancipação. Pelo uso da razão, em linha reta para o futuro, o ser humano dominaria a natureza e se tornaria livre de todas as amarras. Que importa se nessa marcha lugares desaparecem, pessoas falecem, rios morrem e histórias são cobertas de lama!

Quem não se lembra da tragédia de Brumadinho, do desastre de Mariana, das barragens rompidas, das centenas de vítimas, do rio Doce afogado em sujeira? Agora é a vez de Maceió sofrer com a racionalidade da Braskem, que esburacou o solo da capital de Alagoas, em busca de sal-gema, até desestabilizar uma parte da cidade.

Qualquer crítica será rechaçada como mimimi. Afinal, cria empregos, produz o que necessitamos, aquilo de que não abrimos mão, seus erros seriam efeitos culturais do avanço industrializador, algo que acontece por toda parte, não é exclusividade nossa, etc. Acontece mais aqui onde o capitalismo ainda economiza em segurança e prevenção. Depois do mal feito, longas batalhas judiciais são travadas. Os criminosos tentam diminuir os estragos, não os praticados por eles, mas os que venham a afetar as suas finanças. Afinal, para o progresso o que são 260 mortos, um rio poluído, pescadores sem peixes, bairros que afundam engolindo casas, rasgando paredes, rachando calçadas, expulsando pessoas de suas casas, pátios, terrenos de afeição?

O progresso faz contas, quer edifícios sempre mais altos, não se importa que eles cubram uma praia de sombra e impeçam as manifestações do sol. Aqueles que reclamam são rotulados de anacrônicos, apelidados de caranguejos, tratados como fardos, obstáculos ao avanço da civilização moderna. É isso que se chama de antropoceno, a era da dominação humana do planeta, submetido ao apetite insaciável da razão industrial, cínica, tecnológica, maquínica. O antropoceno faz o humano sentir-se nas nuvens enquanto cava a sua sepultura, a destruição da casa comum de todas as espécies. O antropoceno faz rio virar lago se isso facilitar a ocupação das suas margens, junto à linha da água.

O ideal seria voltar à idade da pedra? Negar os avanços da tecnologia? Frear a melhoria das condições de vida? Exageros retóricos de rede social. Agora membro da Academia Brasileira de Letras, nosso intelectual indígena mais famoso, Aílton Krenak duvida do tal desenvolvimento sustentável. Não deixa de ter razão. Mais parece uma conversa para distrair ecologista. O progresso tem barriga sem fundo, não cede diante de coisa alguma. Por vezes, desvia-se de um “obstáculo”, algo a preservar, mas, se não tiver jeito, passa por cima. O progresso apresenta, adaptando Guy Debord, “como uma enorme positividade”, indiscutível, inatacável, invencível. Rejeita toda objeção como atraso. O rastro de destruição que deixa não o faz desistir de avançar. Só vai parar quando nada mais existir para derrubar. As razões do progresso são blindadas contra críticas.

Crítica, obviamente, acontecem. Só que elas batem na parede de concreta da ideologia progressista e voltam sem produzir grande efeito. Maceió chora por seus bairros. A Braskem nem se desculpa.

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