Juremir Machado da Silva

Imortais na Biblioteca Pública do Estado

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Imortais na Biblioteca Pública do Estado Foto: Divulgação

A convite de Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do Estado do RS, presidida por Alcides Stumpf, dois imortais da Academia Brasileira de Letras, Antônio Carlos Secchin e Ana Maria Machado, estarão em Porto Alegre nesta terça-feira, dia 10 de janeiro, para ver a exposição Caminhos de Proust, que tem curadoria de Gilberto Schwartsmann. Na entrevista que segue, o carioca Secchin, 70 anos, fala do tempo da literatura, de poesia e de autores que admira.

O senhor vem a Porto Alegre para visitar a exposição Caminhos de Proust na Biblioteca Pública do Estado do RS. Como vê a obra de Marcel Proust em tempos de aceleração tecnológica?
Antônio Carlos Secchin – Tanta pressa para quê? O tempo da literatura não se mede pelos relógios externos, cria sua própria dimensão. Nesse sentido, é preciso uma certa desconexão com a realidade para mergulhar em outros fluxos, ficcionais ou poéticos, de ressignificação do tempo. A obra de Proust é exemplo radical de um mergulho nessa temporalidade simultaneamente dissipada e reconstruída.  

Qual o papel de Proust na sua formação literária e estética?
Secchin – Sou mais leitor de poesia do que de ficção. No território poético, tendo aos escritores mais concisos e elípticos; não por acaso, denominei João Cabral de “o poeta do menos”. Mas, como contrapartida a essa direção, aprecio, na ficção, muitos “narradores do mais”, transbordantes, como é o caso de Proust, e, no Brasil, de Guimarães Rosa.

A França tem muitos escritores premiados com o Nobel. Annie Ernaux é a mais recente. Como vê a obra dela no cenário atual? Muitos esperavam que o Nobel fosse para Michel Houellebecq.
Secchin – Não a li suficientemente para avaliar a justiça do prêmio, mas creio que ele estaria/estará muito bem atribuído a Michel Houllebecq, pela originalidade e contundência de seu estilo, e pelo universo que ele representa e problematiza.

O senhor tem grande reputação como crítico literário, tendo sido apontado por João Cabral como aquele que melhor entendeu a sua obra. Qual o lugar da crítica em tempos de legitimação de todos os gostos?
Secchin – Se todos os gostos estão legitimados, isso corresponde à demissão da palavra crítica. Tudo vira release, elogios entre amigos, ou ajuste de contas entre desafetos.

A ABL acaba de perder a escritora Nélida Piñon. Como analisa o legado deixado por ela?
Secchin – Num depoimento recente, observei que a dimensão épica e coletiva de seus grandes relatos nunca negligenciou o cuidado e o afeto para com os rumores da esquina, as tramas da existência cotidiana, a luta pela sobrevivência daqueles a quem a sorte foi sonegada. Daí que, ao lado de uma vertente ostensivamente mítica, sua narrativa esteja carregada de encanto por aquilo que Ferreira Gullar denominou “a estranha vida banal”.

O senhor publicou um Guia dos Sebos. Em tempos digitais, os sebos têm chances de sobrevivência? Conhece os de Porto Alegre?
Secchin – Infelizmente, temo que o comércio digital de livros acabe aniquilando a tradição dos sebos de rua. Dos 34 sebos do centro do Rio que listei em 2007, nem 10 sobreviveram. Conheço (conhecia) todos os de Porto Alegre, aqui fiz ótimas garimpagens, mas nem me recordo mais da última vez que adquiri um livro em sebo físico. Agora, compro ou na internet, ou em leilões.

A internet tem sido um terreno de acolhimento para poetas. Um dos seus poemas diz que “um poeta nunca sabe onde sua voz termina”. Ela começa agora na imaterialidade do virtual?
Secchin – A voz de um poeta pode provir de qualquer lugar, principalmente dos mais indecifráveis ou domesticáveis. Do mesmo poema: [o poeta] “Por sob a zona da sombra/ navega em meio à neblina./ Sabe que nasce do escuro/ a poesia que o ilumina”. Porém, mais importante do que a proveniência é o destino. No caso da poesia, seus quase inexistentes leitores.

Gilberto Gil agora imortal da ABL como o senhor. Reconhecimento de que letra de música também é poesia, com alcance popular?
Secchin – Letra não é poema, embora as duas modalidades se valham de muitos recursos comuns. No discurso de recepção quer lhe dirigi, comentei que grandes letristas são também poetas não porque escrevem poemas, mas porque produzem poesia em suas letras.

A sociedade atual está bastante atenta a questões de representatividade racial e de gênero. A ABL pensa nisso na hora de escolher seus novos membros?
Secchin – O primeiro critério é o da qualidade. Se, além dele, houver também alguma outra representatividade, tanto melhor. A diretriz da Casa é inclusiva e democrática. A ABL nunca foi subvencionada pelo Governo e nela só se entra pelo voto da maioria. Um de seus maiores equívocos – a não admissão de mulheres – já foi, tardiamente embora, sanado.  


Tambor tribal (Gabinete de Curiosidades em São Paulo)

O escritor Gilberto Schwartsmann não para. Na exposição Caminhos de Proust já foram consumidas cinco mil madeleines, o bolinho que o personagem de Proust molhava no chão para ter acesso ao seu passado de lembranças. Na exposição, o visitante pode experimentar essa delícia para entrar na atmosfera do maior escritor francês do século XX.

Por outro lado, a peça de Schwartsmann, “Gabinete de curiosidades”, dirigida por Luciano Alabarse, que fez sucesso no São Pedro, em Porto Alegre, estreia nesta sexta, 13 de janeiro, no SESC São Paulo. Por fim, Gilberto, autor de “Amante de Proust”, receberá um prêmio Açorianos especial, honraria concedida até hoje a Sérgio Faraco, Deonísio da Silva, Donaldo Schüler, Lya Luft, Armindo Trevisan, Carlos Nejar, Maria da Glória Bordini e Regina Zilbermann.


Eu acuso

Eu acuso o conservadorismo brasileiro de ter criado um monstro, com apoio do mercado e de parte da mídia, o bolsonarismo, responsável pelo ataque à democracia, no domingo, em Brasília. Uma vergonha.


Imagens e imaginário

Esta imagem sintetiza o que a horda radical bolsonarista, fascismo neopopulista, fez em Brasília ao atacar os palácios dos três poderes, uma vergonha sem tamanho:


Escuta essa

Roberto Dinamite, um dos maiores goleadores brasileiros, partiu cedo, aos 68 anos de idade. Samba-enredo da Boêmios de Inhaúma para lembrá-lo.

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