Dois bairros da Zona Norte são os campeões de abstenção; veja índices em toda cidade
Mapas mostram onde estão os eleitores que não votaram no primeiro turno em Porto Alegre. Na reta final da campanha, a batalha entre Sebastião Melo (MDB) e Manuela d’Ávila (PCdoB) será para convencer as pessoas a comparecerem às urnas. Somados, os percentuais de abstenção, brancos e nulos chegam a 40% dos aptos a votar na Capital.
Jardim Floresta e Anchieta foram os bairros campeões de abstenções no primeiro turno das eleições municipais em Porto Alegre em 2020. Vizinhos, localizados na zona norte, ambos chegaram próximos a 40% de eleitores que se recusaram a ir às urnas no domingo, 15 de novembro. A média da capital gaúcha, a mais alta do Brasil, foi de 33%.
O número de pessoas que não compareceu às urnas no primeiro turno foi tão grande que, somados os brancos e nulos, é superior aos votos de Sebastião Melo (MDB) e Manuela d’Ávila (PCdoB) juntos – os dois candidatos que chegam à reta final da campanha. É nesses eleitores que as candidaturas concentram suas atenções na véspera do segundo turno, no dia 29 de novembro, que definirá o próximo prefeito ou prefeita da Capital.
Mas, ao contrário dos votos brancos e nulos, concentrados nas bordas da cidade e menos frequentes na região central, o mapa das abstenções em Porto Alegre não tem um padrão que possa ser visualizado com facilidade. O eleitorado que não foi votar no primeiro turno não é homogêneo em seu perfil socioeconômico tampouco na forma como se distribui geograficamente pela cidade.
Os dois bairros do extremo norte da cidade são um exemplo das diferenças: enquanto o Jardim Floresta é pequeno, porém densamente povoado, Anchieta é uma localidade semi-deserta e extensa. A renda do primeiro é o dobro da verificada no segundo, e o perfil da população também é diferente: no Jardim Floresta há mais mulheres do que no bairro vizinho (53,6% contra 49,3%) e muito mais idosos (19,1% contra 7,3%). A taxa de analfabetismo é discrepante: 1,7% contra 7,4%. Os dados são do Censo de 2010 do IBGE, o mais recente disponível.
As abstenções tampouco indicam uma vantagem para uma ou outra candidatura: nos dois bairros campeões de ausência nas urnas, os vencedores no primeiro turno foram Melo e Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Aliás, o Anchieta foi o único em que o atual prefeito venceu, rompendo uma tradição de ao menos 24 anos em que a cidade se dividiu apenas entre duas candidaturas já no primeiro turno – isso quando não aderiu integralmente a um nome, como ocorreu em 1996, 2000 e 2012. Mas o índice de não comparecimento foi elevado também em localidades como Praia de Belas ou Pitinga, onde Manuela d’Ávila foi a preferida.
Melo virou votos de 2016 e foi o escolhido nos bairros ricos
O mapa dos votos no primeiro turno mostra que, em 2020, Sebastião Melo garantiu a vitória em localidades onde havia sido derrotado por Marchezan na eleição anterior. O emedebista teve melhor desempenho inclusive nos bairros ricos e centrais da cidade, que foram determinantes para as viradas de poder em Porto Alegre: primeiro, em 2004, quando José Fogaça encerrou o ciclo de 16 anos do PT no comando do Paço Municipal; depois, em 2016, quando Marchezan deu fim à era Fogaça-Fortunati – à qual Melo representava, na ocasião, a continuidade.
Manuela, por sua vez, retomou territórios da Capital que deixaram de votar no PT em eleições recentes. Toda a faixa leste da cidade, entre a Lomba do Pinheiro e o Rubem Berta, aderiu à candidatura encabeçada pelo PCdoB – região que abrigou o último reduto da esquerda em Porto Alegre, quando, em 2008, Maria do Rosário (PT) conquistou apenas três bairros da zona ao final do primeiro turno: Lomba do Pinheiro, Cascata e Mário Quintana.
Mas a candidata expandiu a preferência do eleitorado, cruzando a cidade ao meio, até a beira do Guaíba e entrando em áreas que na eleição anterior foram de Melo, como os bairros Santa Tereza e Glória. Manuela também obteve mais votos que os adversários em um pequeno enclave no norte, compreendido por Humaitá e Farrapos.
“Manuela já avançou bastante em relação a candidaturas anteriores de esquerda. Mas se quiser vencer, ela precisa entrar nas zonas de classe média-alta: pelo menos em Petrópolis, Rio Branco. A barreira da Manuela, como era a do PT, é a expansão nesses bairros que vão de Chácara das Pedras à Bela Vista, ou, no caso da zona sul, da Vila Assunção ao Guarujá”, assinala a cientista política Maria Izabel Noll, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Para o segundo turno, as duas chapas reuniram ao redor de si as candidaturas derrotadas em 15 de novembro. Além do apoio do PTB, conquistado após a desistência de Fortunati da candidatura ainda no primeiro turno, Melo agregou os apoios de Valter Nagelstein (PSD), João Derly (Republicanos) e de Gustavo Paim (PP). Mais recentemente, também o PSDB de Marchezan, que havia inicialmente decidido pela neutralidade, optou por apoiar o emedebista que, segundo nota divulgada pela direção tucana, estaria mais próximo ideologicamente da sigla em temas como “incentivo ao empreendedorismo, parceria com o setor privado no saneamento, contratualizações na saúde e na educação, com a privatização da Carris e processos de desestatização em geral”.
Manuela, por outro lado, conta com o suporte de Juliana Brizola e do PDT, de Fernanda Melchionna (PSOL) e Montserrat Martins (PV). Sua candidatura também mobilizou lideranças nacionais que aparecem em vídeos da campanha como os ex-candidatos à presidência da República Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).
Em busca do eleitorado negro e feminino
Para reverter a desvantagem do primeiro turno, Manuela d’Ávila foca seu discurso em dois nichos. Em sua propaganda eleitoral, unificou as vozes das candidatas à prefeitura derrotadas no primeiro turno (Juliana Brizola, do PDT, e Fernanda Melchionna, do PSOL) para atrair o voto das mulheres. E, depois do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, na véspera do Dia da Consciência Negra, em um Carrefour da zona norte, levou para o horário eleitoral a recém eleita bancada negra, que reúne parlamentares de PSOL, PT e PCdoB.
Os dados de 2010 do IBGE mostram que a distribuição de mulheres na geografia da cidade não muda muito. Porém, a presença de pessoas negras é mais marcante em alguns bairros: no último censo, 20% dos porto-alegrenses se autodeclararam pretas ou pardas, mas há localidades nas quais esse percentual chegou próximo a 40%, como a Restinga ou Mário Quintana. “Não sei até que ponto isso pode significar um aporte em termos de voto que possa propiciar a mudança porque não sabemos qual o percentual dessa população que já está envolvida na campanha. Ou seja, não está claro se há espaço para crescer”, observa Noll.
É importante salientar que o dado de cor ou raça não está disponível para consulta de acordo com a mais recente atualização de limites de bairros da cidade, ocorrida em 2016.
Como fizemos essa matéria
A metodologia seguida por Matinal nessa reportagem é similar a utilizada em uma matéria anterior sobre o tema.
Os dados de boletim de urna foram obtidos através do Repositório de Dados Eleitoriais do TSE. Esses dados permitem analisar as abstenções e votos em cada zona e seção eleitoral. Para relacionar cada zona e seção com um bairro, foram utilizadas a lista do TRE e duas outras disponibilizadas pela prefeitura (1 e 2, esta não mais disponível no endereço consultado). Os endereços foram atualizados, quando necessário, com as alterações feitas nos locais de votação desse ano devido à pandemia.
A partir da relação entre votos/abstenções por zona e seção e a correspondência destas com os bairros foi possível preparar mapas com os resultados das eleições. Os indicadores foram todos obtidos no site do ObservaPOA.