Evento negacionista na Câmara mobilizou movimento antivacina nas redes sociais; vereador pede apuração
O parlamentar Roberto Robaina (PSOL) enviou representação ao Ministério Público para que se apure possível crime contra a saúde pública em reunião que serviu de comício antivacina
O seminário negacionista organizado pela vereadora Fernanda Barth (PL) na última quinta-feira (3) serviu de palco para ativistas antivacina promoverem desinformação nas redes sociais. Com base na transmissão do encontro, feita pela TV Câmara, conteúdos mentirosos sobre como vacinas seriam perigosas para crianças e “aumentariam absurdamente” casos de câncer foram espalhados por plataformas ligadas à extrema direita, como o Telegram, o Rumble e o X, antigo Twitter.
Em suas redes sociais, uma das principais lideranças antivacina do país, a médica ozonioterapeuta Maria Emilia Gadelha Serra, responsável por liderar campanhas contra a imunização do HPV e oferecer terapias de “reversão vacinal” em sua clínica particular, usou o conteúdo da reunião para afirmar, sem evidências, que vacinas de mRNA “não foram testadas em pessoas saudáveis, imunocomprometidas, grávidas, crianças e em mistura de vacinas”. Durante o seminário, Maria Emilia participou como telespectadora e publicou mensagens no chat ao vivo da TV Câmara.
Trechos e a íntegra do evento também foram compartilhados no Rumble, uma espécie de YouTube da direita radical, com os títulos “Crime contra a humanidade vacinas” e “Crimes das vacinas”. O conteúdo completo do seminário também foi parar no Telegram de grupos como o “Eventos Finais”, que se diz um “canal destinado a lutar pela liberdade” e “proteger os humanos das vaxx (vacinas) de Bill Gates”. O encontro também foi retransmitido e hospedado na íntegra pela influenciadora bolsonarista Karina Michelin, que compartilha conteúdo antivaxxer em suas páginas.
Já o usuário BielConn, que diz “traduzir vídeos relacionados à farsa das vacinas”, publicou trechos do encontro e reproduziu imagens das palestras, dizendo que imunizantes trazem “risco grave” em crianças e causariam um tipo de “câncer turbo”. Ambas as afirmações não têm base científica. “Isso é criminoso!”, tuitou BielConn, usando a transmissão da TV Câmara como fonte. “E, no Brasil, continuam fazendo milhões de cobaias, e principalmente as crianças que nunca correram risco algum (sem se vacinarem).”
Vereador pede apuração
Por conta da promoção do evento, o vereador Roberto Robaina fez uma representação ao Ministério Público contra Barth e pediu a apuração de “prática de ato que pode, em tese, configurar crime contra a saúde pública”. Robaina também cobrou que o presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Hamilton Sossmeier (PTB), que participou da abertura do encontro antivacina, tome providências contra o uso da Casa para a disseminação de desinformação em saúde.
“Falei com o Hamilton e ele me deu razão de que era um problema, disse que foi no evento, segundo ele, porque houve uma convocação genérica para se debater saúde”, disse Robaina ao Matinal. “Reclamei que havia sido (um evento) de campanha contra a vacina, compartilhado para o mundo todo, em um momento que Porto Alegre sofre de um surto de meningite”, completou.
“Foi por meio de estratégias de vacinação em massa (executadas via políticas públicas traçadas com base em evidências científicas) que o número de mortes geradas pela COVID-19 pôde ser reduzido”, destacou a representação encaminhada por Robaina ao MPRS. “E foi justamente nos países em que as teorias conspiratórias contra as vacinas tiveram maior penetração social (propagadas por meio de estratégias de desinformação) que ocorreram os maiores números proporcionais de mortes – circunstância a demonstrar o efeito concretamente danoso da prática do discurso antivacina à saúde coletiva.”
Na quinta-feira, após o término da transmissão ao vivo do seminário, a TV Câmara retirou do ar o vídeo do seminário de seu canal e o site de notícias da Casa removeu a notícia que havia publicado sobre a ida de Sossmeier à sua abertura. Para Robaina, isso foi indício de que a própria equipe da Câmara Municipal verificou “a inconveniência e a inoportunidade pública do ato realizado, bem como sua provável ilicitude”.
Ao Matinal, Barth negou que tenha se tratado de um evento antivacina e disse que quis promover um debate “mostrando estudos de médicos sem conflitos de interesse” e que é “dever dos legislativos trazerem informações novas e consistentes” sobre temas de saúde.