Ensaio

Vera Margot Mogilka: A escrita na pele (Parte 2)

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Vera Margot Mogilka: A escrita na pele (Parte 2)

Poesias esparsas e perdidos no Sudeste: 1954-1959

Na primeira parte desse texto, publicada na semana passada, Vera ainda está em Porto Alegre, agitando sempre – deliberadamente. Doravante, acompanhamos seus passos pelo Rio de Janeiro e por São Paulo – feita para “voar”. As tentativas de inserção no mundo literário, as conexões com escritores da época. Alcança-se a conturbada fase de Ditadura Militar, período em que, quase que certo, foi não menos do que sacaneada. Ainda nesse capítulo, o lançamento do famigerado, arriscado e curioso livro A vida na pele.  Vamos?

Rompida com os familiares, em algum momento incerto, provavelmente 1953 ou início de 1954, Vera sai do Rio Grande do Sul e se arrisca entre fluminenses e paulistas. Obstinada, consegue inserir seus trabalhos em vários jornais. Em 10/05/1953, a poesia Límpidas ondas domadas ganha espaço no Diário Carioca: “Menina minha, máscara minha/morre!/ E ressurge como uma vitória de límpidas ondas domadas” (RJ, p. 2). A morte e o renascimento são insistentes. 

Em 08/08/1954, publica A criança encantada no Suplemento no Correio Paulistano (p. 10). Um pequeno ensaio em que transparece a grandeza da relação maternal com os pequenos, que “são as únicas coisas mágicas neste mundo desencantado”. Com o olhar recíproco e, por vezes, a (in)compreensão de um sobre o outro, mães e filhos, as poucas frases revelam uma profundidade incomum para esse tipo de texto – comumente afundados em pieguice. Em 31/10/1954, a notícia de que concorre ao prêmio Mário de Andrade disputando com 138 outros poetas. O título inscrito é denominado Poesias (Diário Carioca, RJ, p.2). Torna-se uma acumuladora de prêmios – o que corrobora o que o leitor atual e aquele de então enxergam em seus primeiros escritos: a latência, a promessa de explosão.

Em 06/11/1954, a quadragésima quinta edição da Revista da Semana anuncia a localização de Vera em São Paulo. Está solicitando o endereço dos escritores Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Cyro dos Anjos (1906-1994) – (p. 45). São essas notas e a correspondência, parte dela acessada para a confecção deste dossiê, que mostram que ela convive ou mantém contato, via correios, com os “grandes” – sem receios. Oswald de Andrade (1890-1954) é outro com o qual consegue trocar missivas, antes do infarto deste. Os editores da Crucial, por pretensões semelhantes de ser bandeira da modernidade, estão empolgados. Oswald chega a citá-la entre os “novos” nomes para atentar na poesia (Correio Paulistano, 07/06/1953, p. 22). Para Lúcio Cardoso (1912-1968), ela escreve pedindo ajuda para lançar colaborações em jornais de São Paulo.

Por esses tempos, Vera engravida. A situação se torna uma barafunda familiar. Mãe solteira. Em 1956, Leo Mogilka, o pai de Vera traz o neto, Marcos, com cerca de um ano de idade, para o Rio Grande do Sul. Para passar férias, é o combinado. Ela permanece trabalhando na imprensa paulistana. O caso se desdobrará de forma inusitada e dramática no futuro.

Em 1957, ela ventila um livro de contos (ou peça teatral?) que chamaria Sortilégio. Também uma revista bimensal, que teria o nome de Ulisses. Não há notícias de que o livro e o magazine tenham vingado. Para a revista, pede a Carlos Drummond de Andrade, (1902-1987), por carta, que lhe envie uma poesia inédita e que autorize a publicação de uma correspondência – donde se depreende formato semelhante à Crucial.

 Pela imprensa, ainda são apontados como lançamentos, para breve, as peças teatrais O amor imaginário, O abismo e Sortilégios do amor; o livro de contos Memórias do corpo; as novelas A luz da terra, Estado de abismo e O coração impossível; e o poema O sítio exausto. Aonde terão parado? No teatro, parece ter havido uma representação. Conforme o Correio Paulistano, de 08/11/1955, na PRF-3-TV, é encenada, pela atriz Maria Fernanda Meireles, de autoria de Mogilka, a peça Férias de verão. São os tempos do teleteatro, e Maria Fernanda, com carreira consolidada nos palcos e no cinema, estreia na área televisiva em 1955. Vera faz, além disso, algumas traduções de livros do alemão, a pedido de editoras.

Os elogios dos críticos continuam pelo que fora dado a público. Em 11/05/1958, é a vez do poeta Manoel Sarmento Barata. Ele assevera que, dentre os que integram a revista Crucial, ela é quem melhor se realiza no conto. Barata destaca a centralidade na “busca de motivos que ilustrem situações irredutíveis – quase sempre dramas sexuais, problemas da adolescência – nos quais o herói da história assume os seus atos (quase diria as suas contingências) em nome da liberdade que a existência lhe confere”. Apesar de desfiar um rol de críticas a Paulo Hecker Filho e a Paulo Bisol, Barata entende que a Crucial “agitou os ares literários da Província” (Diário de Notícias, Porto Alegre, p. 2). Também o crítico Walmir Ayala (1933-1991), em 24/08/1958, se diz “impressionado” com os contos de Mogilka (Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, RJ, p. 4)

Em 05/09/1959, no Suplemento Literário, em São Paulo, mais um dos esparsos. No poema Tema da rosa acompanha as fases de certa flor-pessoa, do nascer ao estágio de “rosa fenecida”. Dedicado a Sophie, acompanha uma ilustração feita pelo pintor homossexual Darcy Penteado (1926-1987). Deve haver mais avulsos, uma enxurrada é bem possível. Mas demora mais alguns anos até que um romance vem a ser publicado.

Fase nada fácil, conforme lembrança de Barbosa Lessa (1929-2022), em Prezado amigo fulano: meio século de correspondência, de 1950 a 2000 (Copesul, 2005). Ele a encontra em uma viagem a São Paulo. “Vera Mogilka: esta eu conhecia apenas de nome, em Porto Alegre, como escritora integrante da turma louca do Paulo Hecker. Fui apresentado a ela no segundo dia após minha chegada em São Paulo. De muitas coisas que ela me disse, guardo isto: ‘Ainda bem que trazes relógio; será uma boa coisa para empenhar ou vender daqui a algum tempo. O que eu tinha, já vendi quase tudo; e agora voltei para Porto Alegre, pelada’ ”. A espiritualizada amaina a agrura. Mas a penúria financeira não é o único fantasma a assombrá-la.

Os anos políticos: 1959 -1964

Muitas pessoas viram desafetos de quem detém o poder durante o Regime Militar. A biografia da contemporânea gaúcha Lila Ripoll é escancaradamente militante, com passagem na cadeia logo após o golpe militar. Lara de Lemos, que compôs, junto com Paulo César Pereio, o Hino da legalidade, também acaba na prisão – duas vezes. Em que local Vera fica, nesse furacão, permanece incerto – apesar dos indícios. É interrogada, é presa – mas as razões ainda não estão claras. Todos os próximos entrevistados para o presente esboço revelam dúvidas sobre o tema ou negam o envolvimento direto dela com grupos comunistas. Um relatório do Serviço Nacional de Informações, no Arquivo Nacional, afirma que “em 1964, esteve detida, e foi ouvida por autoridades […]” da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, quando querem saber de suas atividades subversivas (BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_III_83004159, p. 1-5). 

Um dos períodos mais nebulosos começa com sua ida a Recife, em 1959, onde, de início, passa a trabalhar na imprensa. Em 29/03/1960, o Diário de Pernambuco estampa um pequeno retrato e uma comedida apresentação: “Vera Mogilka não tem ainda livros publicados, mas é uma das figuras mais expressivas da poesia brasileira contemporânea. Há em seus poemas uma força extraordinária, força que se assemelha a de Karl Shapiro, o famoso poeta norte-americano. Nascida no Rio Grande do Sul, encontra-se no Recife há mais de dez meses, onde vem se dedicando ao jornalismo, dirigindo, presentemente, o suplemento feminino deste jornal” (Diário de Pernambuco, PE, p. 8). 

Também obtém espaço o poema Fênix exausta, que apresenta o amor como incerto e dado ao fracasso, que renasce e morre – tema extraído, muito provavelmente, de seus problemas amorosos constantes.  As dores das paixões são frequentes na escrita – sempre poço profundo: “Dormem serpentes em nosso seio e, às vezes,/ no seu sonho de répteis elas agitam seus guizos/ e parece nosso sonho e nosso riso. Nosso coração queima no escuro.”

Em 05/04/1960, é fotografada ao lado do pintor Montez Magno, de Fernando Barreto e do desenhista Gilvan Samico (1928-2013), captura feita no Teatro Parque, em exposição de desenhos de Adão Pinheiro.


Montez Magno, Fernando Barreto, Adão Pinheiro, Gilvan Samico e Vera Mogilka. Diário de Pernambuco, 05/04/1960, p.3.

Apesar de estar no Nordeste, continua sendo publicada e coroada em outros locais do país. Em 1961, é agraciada com o prêmio literário da União Brasileira dos Escritores, em São Paulo, pelo poema Hiroshima: “Nós restamos sozinhos, meu amor. A noite não terminará mais, o dia não mais se levantará sobre ninguém. Jamais, jamais. […].” Há trechos desse poema na revista Leitura, edição nº 63, publicada, em 1962, no Rio de Janeiro. Em 05/07/1961, é uma das quatro concorrentes ao prêmio de poesia Vânia Souto Carvalho com Diário poético – 1950-1960.

Em 22/12/1961, arrebata o prêmio Vânia Souto Carvalho, tendo empatado com o poeta José Gonçalves Oliveira (1925-2002). A escritora recifense Dulce Chacon (1906-1982) justifica o voto afirmando que ela era o “símbolo da angústia de jovens artistas, em procura da Verdade”. Classificada como carregando uma mensagem “existencialmente trágica”, “quase pessimista”, seus textos são associados a Kierkegaard e Sartre. Chacon diz, ainda, que faz a escolha pela “autenticidade” (Diário de Pernambuco, 1° Caderno, p.6). A comissão julgadora é formada por cinco homens e duas mulheres. Além de Chacon, a própria Vânia Souto Carvalho. As duas votam em Vera, cujos poemas dizem da solidão: “Não vim dele nem dela/sou filha de mim mesma,/interna e minha é a soberba pedra,/ minha é a herança funesta/e a semente deste pranto noturno.”

Em 28/03/1962, nasce o segundo filho, Maurício, em Recife. Em 28/06/1962, é informado o retorno de Vera para a capital pernambucana depois de uma viagem a São Paulo (Diário de Pernambuco, PE, p.6). Em 10/11/1962, no Suplemento Literário, compartilha novamente o poema Fênix exausta. Em 10/02/1963, é mencionada, pelo Última Hora, como colaboradora da revista Doxa, editada pelo Departamento de Cultura do DA da Faculdade de Filosofia de Pernambuco, dirigida por Samuel Kreimer, na qual imprime a poesia A flor.

De 15/06/1962 a 24/08/1964, Vera tem vinculação com a Agência Nacional de Belém do Pará, transferida a pedido. Não chega imediatamente; quando embarca, ainda enfrenta uma greve marítima que a atrasa. Em 1963, nasce o terceiro filho, Sérgio. É na capital paraense que, maravilhada com a iguaria, concebe a Ode ao tacacá, no jornal A Província do Pará, um dos textos mais repercutidos na internet. “O tacacá, toma-se? Bebe-se? Sorve-se? Saboreia-se? Não, o tacacá deseja-se, de repente, como se deseja uma mulher, como se deseja retornar ao amor da adolescência […].”

Algumas coisas, no entanto, são dissabores. É em 01/11/1961, com a assinatura retroativa da Carteira de Trabalho como redatora da sucursal da Agência Nacional do Ministério da Justiça, no Recife, local que só seria inaugurado em 1962 – Vera comenta que já se trabalhava em relação à inauguração antes de ela acontecer -, que um extenso imbróglio político, de acusações e defesa, terá início. De qualquer forma, os efeitos somente são sentidos a partir de 1971 – cerca de uma década depois. 

Ainda em 1963, é presa, por motivo incerto, em Belém do Pará. Em 1964, quando do golpe civil-militar, conforme documentos do Arquivo Nacional, especificamente de um controverso relatório da Polícia Federal, “foi constatado, durante sua permanência em RECIFE/PE, ser comunista e pessoa de conduta irregular”.  Ela depõe na Seção do IV Exército de Pernambuco após março de 1964. Entre as acusações, encontra-se a de que “sua vida social era de péssima conduta, sendo mãe solteira e de fácil periculosidade” (BR_DFANBSB_N8_0_PRO_CSS_1783, p. 1-212).

Vera, em sua defesa, confirma ter sido interrogada inúmeras vezes, mas que foi “posteriormente liberada pelas autoridades militares por ter-se comprovado sua total e absoluta não participação nos acontecimentos de antes de 1964”, que ela, habilidosamente, chama de “revolução” (BR_DFANBSB_N8_0_PRO_CSS_1783, p. 1-212). Alguns dos filhos têm a lembrança de que foi levada à prisão, mas desconhecem as alegações do delegado de polícia para o encarceramento. 

Parece que, em outros campos, 1964 também não é dos melhores. Em 19/11/1964, o crítico literário Hélio Pólvora (1928-2015) desaprova a inclusão de um conto de na Antologia do novo conto brasileiro, organizada por Esdras do Nascimento (1934-2015), lançado em dois volumes pela Editora Júpiter. O raciocínio é de que se trata de uma desconhecida como contista, enquanto que outros, mais renomados, ficam de fora (Diário Carioca, RJ, p. 7). O conto, na compilação, é Virgem, provavelmente o mesmo impresso na Crucial anos antes.

Depois da cadeia e dos interrogatórios, solicita a transferência para Guanabara a Adonias Filho (1915-1990), seu chefe na Agência Nacional, em Recife. Retorna para Guanabara, onde trabalha até 1967, fase durante a qual vive certa penúria financeira, pois, de acordo com informações dela, não tem auxílio nenhum dos pais dos filhos – ao menos dois têm condições financeiras, sendo um médico e o outro um diplomata. Em tempos em que é uma condição largamente condenada para a mulher, ser mãe solo é a única inculpação na qual, ao menos em relação ao fato, os militares mantêm honestidade? É o que Vera sugere.

A vida na pele: 1965-1967

Passado o ápice da turbulência de 1964, o ano vindouro parece mais promissor para a escritora. Vera mantém residência na Guanabara, na rua Morávia, 395, Ilha do Governador. Em 28/01/1965, nasce a filha Sílvia Maria no Hospital Alemão. 

Vem ao mundo, ainda, A vida na pele, o primeiro romance. Na orelha, louvores do escritor Lêdo Ivo (1924-2012), que assinala: “Como ratos num esgoto, movimentam-se, nos subterrâneos e das consciências, os personagens deste deslumbrante e repulsivo A vida na pele, de Vera Mogilka. Pelo seu impacto sobre a rotina das letras, este romance é uma estreia comparável às de Rachel de Queiroz e Clarice Lispector.” Muito provavelmente, Ivo adjetiva a homossexualidade, um dos fios que costura a história, como algo “repulsivo”.

O jornalista e ensaísta Raymundo Magalhães Júnior (1907-1981) diz, também na apresentação, tratar-se de um romance “bem construído, denso, povoado de angústias, refletindo com muita coragem aspectos escondidos de uma grande cidade brasileira […].”



Às primeiras páginas, o personagem Marcelo, com 21 anos de idade, é apresentado a Daniel, que “insistia em possuí-lo fisicamente” (p. 29), o que é descrito como a oferta de um “amor conflituado, mórbido e feroz” (p. 29). Marcelo, no entanto, não é homossexual. Não quer perder o único amigo e, ao mesmo tempo, tenta fugir do “cerco sexual” (p. 29). Marcelo é tímido e carente: “havia sempre a falta de amor” (p. 31). E só há Daniel. Este, por sua vez, “não suportava esses jovens efeminados, com trejeitos de mulher” (p. 35). Quer alguém másculo, de quem possa absorver as qualidades como que por osmose. 

A história tem como cenário São Paulo. Vera aparece como a personagem Vitória – onipresente. Denso, sombrio, pantanoso – um formato cult, lembrando vagamente Um animal de Deus, de Walmir Ayala, escritor que ela bem conhece. Em 07/12/1965, no Diário Carioca, Mauritônio Meira (1930-2005) reflete que “está causando muitos comentários o livro com que estreia Vera Mogilka, um romance intitulado ‘A Vida na Pele’. A capa do livro é das mais audaciosas, chegando até quase a ser grosseira. Mas lá dentro o texto é saudado com as fanfarras de dois rigorosos padrinhos: R. Magalhães Júnior e Lêdo Ivo. Este último compara a estreia de Vera Mogilka a de Raquel de Queirós e Clarice Lispector” (Diário Carioca, RJ, p.5).

Talvez fuxicos de outra natureza tenham fermentado e aumentado o bolo. Há a probabilidade da identificação dos personagens inspirados em pessoas reais, boêmios da cidade. Vera ratifica ser uma história verídica e que, em 2007, as pessoas que deram vida aos protagonistas Daniel e Marcelo ainda viviam. Um deles, professor em São Paulo. O outro, antigo amigo da cantora Maysa Monjardim (1936-1977).

O trabalho integra um lançamento coletivo, em 15 de dezembro, na Galeria Goeldi, em Ipanema, Rio de Janeiro. São vendidos 25 livros autografados. Embora o conteúdo mereça maior atenção, a balbúrdia em torno do frontispício segue à frente. No último dia de 1965, o jornalista Hélio Fernandes (1921-2021), no jornal Tribuna, destaca a polêmica: “A propósito de Rubens Guerchman, um dos líderes da ‘pop-art’ brasileira: a sua capa para ‘A Vida na Pele”, romance de estreia de Vera Mogilka que quase ganhou o prêmio Walmap e foi lançado agora por Tempo Brasileiro, continua sendo objeto de furiosas discussões. Centenas de livrarias de todo o país têm-se recusado a vender o livro, que, todavia, já começou a ‘apontar’ como best-seller no Rio, em São Paulo e em Porto Alegre”. Sobre a autora, informa que “parece dizer nesse seu primeiro livro que veio para ficar e para marcar seu lugar na literatura brasileira” (Tribuna, RJ, p. 3).

Em 27/02/1966, o crítico literário alagoano Valdemar Cavalcanti (1912-1982) registra estar diante de “um romance corajoso, sobretudo pelo vigor com que apresenta certas situações humanas e as enquadra no contexto da ficção” (O Jornal, 2º Caderno, RJ, p. 2). Desgostosa pela pouca repercussão do conteúdo e da forma, prejudicada nas vendagens pela estética da capa, com o tomo vendido às escondidas em alguns lugares, Vera parte para o conflito judicial. Em 06/04/1966, o Correio Braziliense menciona que “está processando os editores pela falta de gosto ou maldade (?) do capista Rubens Guerchman…” (Brasília, p. 2). É a contenda que resultará na demora de mais de década para receber algum direito autoral? 

Em 1966, vem ao mundo o filho Marcelo. Vera continua a tradição de mãe solteira. A Paulo Hecker confessa ser avessa ao casamento. Em abril de 1967, ela retorna ao Recife. Em seguida, solicita licença por interesse particular, em 05/07/1967, período que vai se estender por quase três anos, uma vez que, passados dois anos, há dificuldades para a realocação. No final de 1967, segue para Salvador, onde labora na imprensa. Em 1968, Vera rompe em definitivo com a mãe. Em carta a Antônio Carlos Resende (1929-2015), décadas depois, em 1988, diz que pai e mãe vivem em uma casa geriátrica, mas que ela não fala com a mãe desde 1968 (PHF COR 0286 SIST 54010, p. 5). A relação fria e distante é atribuída principalmente à mãe, que, aparentemente, não nutre afeição pela filha – enquanto o pai se abstém de tomar lado.

O ano de 1968 também é marcado pelo fato de que Marcos Léo Mogilka, o primogênito, que vem sendo criado, desde 1956, pelos avós, como se fosse filho deles, descobre que a mãe não é a sua avó. O garoto deixa de frequentar a escola. Os pais chamam Vera para que venha ao encontro do filho. Ela planeja a ida a Porto Alegre, mas para por São Paulo, onde trabalha para alguns jornais, enquanto o primogênito se recupera de uma cirurgia no joelho. De índole cigana, em 1969 arruma as malas para tornar a Salvador.

Conforme Vera, “sua família, no Sul, alemães de moral rígida e preconceituosa, não aceitava sua situação de mãe solteira […]” (BR_DFANBSB_N8_0_PRO_CSS_1783, p. 1-212). Àquela altura, gerara cinco filhos vivos – ao todo, segundo ela, foram 11 gravidezes. Os problemas familiares, não poucos, acabam catapultados nos anos vindouros, que são marcados por acirrada disputa judicial na qual nem mesmo a literatura escapa de ser ré.

Muita coisa? Há mais. Prossegue na próxima publicação. 


Jandiro Adriano Koch, ou Jan, nasceu e vive em Estrela, RS. Graduou-se em História pela UNIVATES e fez especialização em Gênero e Sexualidade. Dedica-se a estudar e mostrar vivências LGBTQI+, especialmente em sua região, o Vale do Taquari. Dentre suas publicações estão Babá – Esse depravado negro que amouO Crush de Álvares de Azevedo (Livro do Ano no Prêmio Açorianos 2021), ambos pela editora Libretos.

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