Pensata

PTfobia: a doença que assola o Brasil

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PTfobia: a doença que assola o Brasil Melo cumprimenta Bolsonaro, ao lado de outros apoiadores do ex-presidente | Foto: Alan Santos/PR

A manifestação de apoio do prefeito Sebastião Melo à candidatura de Jair Bolsonaro é mais um caso que espanta quem se opõe à escalada autoritária no país. Na sua justificativa, o prefeito de Porto Alegre argumenta que sua “história e princípios” impedem de estar ao lado do PT. Mas, estranhamente, não impedem de apoiar o atual presidente, cujo “conjunto da obra” em quatro anos de desgoverno pode ser resumido como uma tragédia. Um notável esforço tem sido feito por analistas da política nacional para tentar compreender como uma parcela significativa da população brasileira, que inclui o prefeito de Porto Alegre, está preferindo a continuidade e, possivelmente, o aprofundamento dessa tragédia ao invés de uma alternativa que já foi experimentada e teve ampla aprovação.   

Como qualquer processo complexo, o apoio eleitoral a Bolsonaro se baseia em múltiplas causas. Gostaria de sugerir aqui uma dessas causas: a transformação do antipetismo em PTfobia. Esse termo, PTfobia, foi utilizado pelo governador reeleito de Minas Gerais Romeu Zema (do partido Novo), em declaração no dia 06/10, para justificar o apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. Esse termo parece sintetizar e explicitar um processo de mudança de elementos da cultura política de parcelas da população brasileira que contribui para sustentar o apoio eleitoral à tragédia bolsonarista. Parte central dessa mudança é a passagem do antipetismo para a PTfobia. 

Raiz nos anos 1990

O antipetismo não é um fenômeno novo. No Rio Grande do Sul, sua emergência ocorre nos anos 1990, relacionada à oposição aos governos petistas na prefeitura de Porto Alegre (1989-2004), se aprofundando no governo estadual de Olívio Dutra (1999-2002). Sua característica central é uma visão dicotômica e maniqueísta da política, na qual o apoio ou a oposição ao PT se tornam o elemento estruturante das disputas eleitorais. No seu período inicial, essa concepção maniqueísta teve inclusive uma certa avaliação positiva, enquanto suposta expressão de um maior nível de consciência política da população gaúcha. Apesar do maniqueísmo, o antipetismo original tendia centralmente a construir e mobilizar uma antipatia ao PT. Tal antipatia, no entanto, era acompanhada por uma aceitação do PT como ator legítimo da cena política. Ou seja, o PT era um adversário a ser vencido, mas não um inimigo a ser destruído.  

Diversos processos que acompanharam a experiência petista à frente da Presidência da República, entre os anos 2003 e 2016, produziram mudanças profundas no antipetismo original, transformando-o na PTfobia contemporânea. A associação entre PT e corrupção, em especial, conseguiu transformar a imagem de um partido que se apresentava como a corporificação de uma política ética e honesta na imagem de um partido inerentemente corrupto e corruptor. Para amplos setores da sociedade, o PT se tornou a encarnação de todos os vícios e mazelas do sistema político brasileiro. 

Maniqueísmo religioso

Mas o antipetismo também foi transformado pela crescente presença de elementos religiosos na conformação da política nacional. Através da mobilização do maniqueísmo religioso da “batalha do bem contra o mal”, o PT foi sendo identificado como a manifestação de um mal absoluto, a ser vencido pelas forças do bem. Frente a esse mal, qualquer proximidade é vista como contaminação. Quanto mais radical a oposição a esse mal, mais apoio dos “cidadãos de bem”. 

A transformação do antipetismo em PTfobia produz uma arma poderosa para as forças políticas da extrema-direita. Na medida em que, por seu autoritarismo, a extrema-direita recusa a legitimidade e, no limite, o direito à existência do petismo, ela se coloca como a melhor alternativa de representação dessa PTfobia radical. Não interessa o que a extrema-direita se propõe ou faz. O que importa é que ela não pactua com o PT. O que importa é que, se ela puder, ela vai destruir o PT. Ela vai destruir esse mal absoluto que passou a ser visto como o principal problema do país. 

Os efeitos da PTfobia na política brasileira são destrutivos. Em nome da oposição ao PT tudo se torna legítimo. Tudo se torna aceitável. A tragédia se torna o preço a pagar para eliminar a fonte do mal. Na verdade, a PTfobia impossibilita a própria política. Aceitar a existência do adversário é sinal de fraqueza. Criticar os opositores mais radicais do PT é sinal de traição. Diversos promotores ardorosos do antipetismo no passado aprenderam essa dura lição nos últimos anos. Aliados e aliadas do bolsonarismo na eleição de 2018 pagaram um preço alto por ousar divergir.  

Diversos políticos de partidos de centro-direita, como o prefeito Sebastião Melo, estão tentando surfar na onda da PTfobia. No entanto, como mostra a trajetória recente do PSDB, essa onda tende a destruir esses partidos e a fortalecer a extrema-direita. Por quê? Porque a extrema-direita é aquela que realmente oferece o que a população PTfóbica quer: a destruição do PT. Mesmo que para isso seja necessário destruir a democracia e, no limite, destruir o país.

Marcelo Kunrath Silva é professor titular do Departamento de Sociologia e professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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