Da voz como instrumento de voo
Fotos de Stella Michalski
Em outra vida, Viridiana ainda não conhecia todas as suas possibilidades. Até que levou para seu trabalho de produtora, cantora e compositora as muitas vivências e experiências de uma mulher trans não binária. No auge da pandemia, ela foi uma das contempladas do Edital Natura Musical 2020 e lançou o projeto Transfusão, totalmente autoral. Enquanto o mundo se resumia a lives e promessas de vacina, Viridiana se espraiou pelas plataformas com um trabalho que misturava referências da MPB com sonoridades do pop retrô dos anos 80. E pegou.
Não que essa tenha sido a primeira vida de Viridiana. De volta para outro passado, a porto-alegrense nascida em 1º de junho de 1998 cumpriu à risca a cartilha da criança LGBT+, sempre fechada no quarto, jogando videogame. Ela conta que uma de suas lembranças mais fortes é a da solidão – de qualquer forma, melhor do que enfrentar as situações de transfobia e homofobia da infância. Dentro do quarto e no comando do joystick, Viridiana mandava na própria vida. Até que, pelos 10 anos, descobriu o violão e, enfim, um lugar onde era aceitável ser uma criança sensível: a arte.
Em 2016, quando entrou para a faculdade de Música, Viridiana encontrou o acolhimento que seu talento pedia. A professora Isabel Nogueira, que hoje usa o pseudônimo de Bel_Medula, foi quem a instigou a produzir os sons mais estranhos e experimentais, depois gravados em um EP com cinco canções. Embora não tenha mais afinidade com esse trabalho, Viridiana gosta do resgistro. É como uma fita cassete com as primeiras palavras do bebê, ela diz.
Não que tenha sido um caminho fácil. Viridiana não reconhecia a própria voz, que parecia a de um homem cantando. As coisas mudaram quando ela começou a estudar e trabalhar com produção musical. Ao levar sons para dentro do computador e mexer neles, botando efeitos, picotando, moldando, transmutando, ela criou a voz da Viridiana. “Eu descobri que voz é ar, e eu precisava disso para viver. Minha voz começou a me trazer vida, ao invés de vergonha”.
Em Transfusão, o projeto selecionado no Natura Musical, Viridiana pode incluir vários nomes da cena trans do sul: Gautier Lee na direção do show virtual, Gabz404 e Lau Baldo na fotografia, Luiza Casagranda nos figurinos. O disco teve a participação de cantoras como Rita Zart e a própria Bel_Medula e foi o que Viridiana definou como “um exercício de ser trans para o lado de fora”.
Três anos depois, ela lança o primeiro single do que deverá ser um novo trabalho – mas sem pressa. O tempo agora é o das canções, diz Viridiana. Pérolas de Plástico chegou ao palco pela primeira vez em setembro passado, em shows em São Paulo e Porto Alegre. A reação do público foi tão boa que a música virou clipe, co-produzido pela Cubo e pela Árido Filmes, com direção de Theo Tajes. Nas plataformas desde o dia 17, Pérolas de Plástico é ar fresco na cena musical e mostra que Viridiana tem fôlego para voar mais.
Na velocidade da voz.