Camila Proto convida à imersão em escutas, espaços e escritas
As Salas Negras do MARGS acolhem o público para interagir com relatos, paisagens, cavidades e erosões na exposição TERRALÍNGUA, inaugurada no último sábado (1º/7). A mostra da artista Camila Proto, com curadoria de Diego Hasse, apresenta trabalhos caracterizados por sons e textos que se mesclam a imagens, propondo uma relação inventiva e atenta a processos de transformação.
“É uma exposição que joga com as transições e traduções entre palavra, escuta e relevos. É nessas fissuras que a poesia, o fantástico e a ficção aparecem”, afirma a artista. “Em um mundo tão visual e digital, a escuta talvez seja um caminho mais atento e menos hegemônico de ouvir outras histórias”, completa Camila, 26 anos, que cursou graduação e mestrado no Instituto de Artes da UFRGS e atualmente é doutoranda em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em Ilha Sonora – talvez a obra que melhor sintetize as propostas da exposição –, três “ilhas” pendentes oferecem ao público a oportunidade de manipular relevos de areia, sal e limalha de ferro. Ao girar um botão, alteram-se as frequências emitidas por alto-falantes instalados sob os materiais, provocando alterações nas formas insulares.
“Me pergunto como seria uma ilha formada só pelos sons do corpo, da nossa respiração, do soar da nossa voz, do coração. Teria cavernas, depressões? Seria porosa como a nossa pele?”, questiona um testemunho que integra o trabalho junto a desenhos, orientações para “compor um arquipélago sonoro” e um relatório que aponta os riscos de uma expedição humana às ilhas, tendo em vista “as baixas frequências dominantes do território e seus prováveis efeitos colaterais danosos”.
O uso de uma linguagem que se aproxima dos relatos científicos tem como inspiração a escritora norte-americana Ursula K. Le Guin (1929 – 2018). “Ela nos convoca ao estudo das linguagens dos minerais, das plantas, dos animais e me influenciou com sua linguagem científica para uma abordagem ficcional”, ressalta Camila, que em entrevista ao Matinal em 2021, falando sobre sua participação no 7º Festival Kino Beat, destacava que “diante da troca entre arte, ciência e filosofia é possível imaginar e mesmo criar novos mundos, recheados de provocações multidirecionais e interdisciplinares”.
Texto e paisagens encontram-se também nas obras Panoramas Terralíngua – com um texto datilografado que dá contornos a uma aparente cadeia de montanhas – e na escultura em madeira de Atrás da Linha do Horizonte.
Já em Segredos Carbonáticos, Camila imagina o protótipo de um fonógrafo para traduzir em sons as ranhuras das conchas. A artista buscou inspiração na leitura do texto Ur-Geräusch [Ruído Primordial, em tradução livre], publicado em 1919 por Rainer Maria Rilke, em que o poeta de Praga narra uma experiência de infância com o equipamento e fabula seus possíveis usos. “Assim como no convite da Ursula aos modos científicos de escrita, embarquei no convite do Rilke de pensar em um fonógrafo que pudesse ler as ranhuras dessas superfícies porosas”, conta Camila.
Na mesma sala, a obra Cavidades consiste em uma poltrona equipada com autofalantes que proporciona uma escuta imersiva ao visitante. “Esta sessão de escuta tem início com uma fala. Ao ouvir a voz, sente-se, respire fundo e viaje pelas cavidades do seu corpo”, informa uma placa junto à peça.
A sessão tem início com a voz de Camila conduzindo o participante a se deixar levar por sons e se imaginar explorando um percurso dentro do próprio corpo – ou fora dele, por que não, a depender do ouvinte. “Já recebi uns feedbacks curiosos, uma menina ouviu um trem. É um trabalho meditativo que solicita a imaginação do ouvinte”, conta a artista, explicando que os sons foram gravados a partir de superfícies e cavidades de instrumentos musicais.
Na outra sala ocupada pela mostra, o vídeo Microerosões mescla imagens do Google Earth, animações e locuções para abordar “erosões como processos de inscrições”, nas palavras da artista, que lançará um livro-catálogo sobre a mostra – em pré-venda pela editora Numa –, com projeto gráfico de Guilherme Ferreira e textos de Anelise De Carli, André Araujo, Daniela Avellar, Diego Hasse, Juliana Proenço, Léo Tietboehl e Luis Felipe Abreu.
TERRALÍNGUA integra o programa “Poéticas do Agora” do MARGS, dedicado a produções que investem na experimentação de linguagens e na transdisciplinaridade. As exposições anteriores da iniciativa foram Bruno Borne – Ponto Vernal (2019-2020), Bruno Gularte Barreto – 5 Casas (2021), Estêvão da Fontoura: DESOBECIÊNCIA – Arte e Ciência no Tempo Presente (2021), Denilson Baniwa – INÍPO: Caminho de Transformação (2021-2022) e Guilherme Dable – Não um Tempo, Mas um Lugar (2022) – clique nos links para ler outras entrevistas com artistas que participaram do programa.
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“TERRALÍNGUA”, de Camila Proto
Onde: MARGS (Praça da Alfândega, s/n – Centro Histórico – Porto Alegre)
Visitação: até 8 de outubro de 2023
Horário: terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h)
Entrada gratuita