Artigos | Cinema | Entrevista

Festival Cinema Negro em Ação destaca presença feminina

Change Size Text
Festival Cinema Negro em Ação destaca presença feminina Camila de Moraes. Foto: Natasha Montier/Divulgação

Começa nesta sexta-feira (20/11) o 1º Festival Cinema Negro em Ação. Até o dia 27 de novembro, serão exibidos 33 concorrentes na categoria curta-metragem, cinco longas, 19 videoclipes e 16 selecionados na modalidade videoarte. São 20 horas de programação, com transmissão pela TVE-RS ou online no site da emissora, na fanpage da CCMQ e pela plataforma Cultura em Casa, da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. O festival vai ser transmitido ainda pela TV Câmara Santa Maria, pelo canal 16 da Net e pelo canal 18.2 no sinal aberto, abrangendo a cidade e municípios vizinhos da região central do Estado. O evento realizado pela Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) e pelo Instituto Estadual de Cinema (Iecine) faz parte da programação do Mês da Consciência Negra. A maioria dos trabalhos selecionados leva a assinatura de mulheres, e os concorrentes são provenientes de Estados de todas as regiões do Brasil, além de Portugal.

Festival Cinema Negro em Ação anuncia relação das produções selecionadas

“Importante frisar que é um festival afirmativo, que tem a intenção de conhecer outros olhares produzidos dentro do audiovisual, servindo como um facilitador de diálogos entre público e setores da indústria cinematográfica”, explica Camila de Moraes, idealizadora e curadora do festival, que recebeu mais de 300 inscrições de produções.

Gaúcha morando em Salvador há dez anos, Camila de Moraes é jornalista e graduanda no curso de artes com concentração em audiovisual pela Universidade Federal da Bahia. Dirigiu o documentário de longa-metragem O Caso do Homem Errado (2017), que aborda a questão do genocídio da juventude negra no país recuperando a história do operário negro gaúcho Júlio César de Melo Pinto, que, ao ser confundido com um assaltante, foi executado pela Polícia Militar no dia 14 de maio de 1987. A cineasta se tornou a segunda mulher negra a entrar em circuito comercial com um longa-metragem após 35 anos de silenciamento no Brasil – a primeira mulher negra foi Adélia Sampaio, em 1984, com o longa-metragem de ficção Amor Maldito. O longa esteve na lista de pré-selecionados pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil e concorrer ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2019.

Camila também dirigiu o curta-metragem A Escrita do Seu Corpo, que trata sobre a questão de identidade racial e de gênero por meio da poesia. Aos 33 anos, a realizadora desenvolve atualmente o projeto de uma série de ficção chamada Nós Somos Pares, que aborda a vida de seis mulheres negras e suas relações de amizade e amores. Na entrevista a seguir, Camila fala sobre o festival, representatividade negra no audiovisual brasileiro e presença feminina atrás das câmeras: “Nós, mulheres negras, estamos cada vez mais chegando de bonde para contar as nossas histórias”.

Foto Caroline Bicocchi/Divulgação

Você poderia falar sobre a programação e as homenagens do festival?

Nós estamos com uma programação muito intensa e extensa neste 1º Festival Cinema Negro em Ação, com 75 obras de realizadores negros entre longas, curtas, videoclipes e videoartes. Há produções inéditas e outras que já estão passando em festivais internacionais e nacionais. São produções das cinco regiões do Brasil, e estamos muito contentes por fazer esse intercâmbio e conhecer os olhares deste país tão diverso. Vamos homenagear pessoas que fizeram e fazem com que nós estejamos atuando no audiovisual brasileiro. Entre elas está o ator gaúcho Sirmar Antunes, pela sua atuação e carreira de mais de 60 anos de história no audiovisual. A gente também vai homenagear a família Menezes, que inclui a mãe, Veralinda Menezes, e os filhos Sheron, Sol e Drayson. Essa família de artistas, atrizes e atores, representam a nossa raiz familiar, a base, uma inspiração para que hoje estejamos aqui. São essas famílias negras que fazem com que a gente se reconheça como indivíduo que pode ser e atuar onde quiser. Pensando em novas narrativas e em como levá-las dentro do audiovisual, vamos homenagear a escritora e filósofa Djamila Ribeiro, essa pensadora paulista que tem feito tanto pela cultura e pela sociedade brasileira, nos mostrando outras formas de pensar e agir enquanto comunidade. O intuito do festival é fazer homenagens em três eixos: carreira profissional, base familiar e pessoas que nos ajudam a pensar em outras narrativas possíveis.

Djamila Ribeiro abre a programação do Festival Cinema Negro em Ação

Qual é a importância do 1º Festival Cinema Negro em Ação para o mercado audiovisual brasileiro, em que a presença de temáticas e realizadores negras e negros ainda é tão invisibilizada e numericamente pequena?

Quando a gente fala em cinema brasileiro, temos que pensar quem são as pessoas que estão atuando e produzindo nesse cenário. É por isso que festival tem essa importância: reconhecer esses profissionais que estão atuando no mercado há muitos anos, mostrar que podemos dialogar e fazer com que a cadeia do audiovisual cresça cada vez mais, nos reconhecendo enquanto cidadãos brasileiros atuantes nessa área.

A presença da mulher negra no audiovisual brasileiro é ainda rarefeita: segundo o estudo Diversidade de gênero e raça nos lançamentos brasileiros de 2016, divulgado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) em 2018, dos 142 longas exibidos comercialmente no circuito, apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros, e sequer um dirigido ou roteirizado por uma mulher negra naquele ano. No entanto, iniciativas como o festival, que tem curadoria de mulheres negras, parecem identificar uma incipiente mudança positiva nesse panorama. Fale sobre a presença feminina no cinema brasileiro atual, por favor.

Fazer parte da curadoria desse festival tem nos ensinado muito. A gente está vendo um panorama de como está caminhando esse cenário do audiovisual negro brasileiro. Tivemos uma quantidade significativa de inscrições femininas. Uma das premiações do festival é para melhor roteirista negra no Instituto Dona de Si, de aceleração de profissão. A gente acredita muito no potencial das mulheres e, se incentivarmos e capacitarmos cada vez mais essas mulheres, vamos conseguir mudar os dados e estatísticas dessa conjuntura, em que a parcela feminina no audiovisual ainda é muito pequena. Nós, mulheres negras, estamos cada vez mais chegando de bonde para contar as nossas histórias. Com certeza esse intercâmbio e essa união vão continuar e vamos ter uma nova realidade do audiovisual brasileiro, também feito por mulheres e por mulheres negras.   

Festival Cinema Negro em Ação anuncia premiação extra para melhor roteirista negra

Quais são seus próximos projetos?

O festival faz parte do Programa Cinema Negro em Ação, de formação para pessoas negras que queiram se tornar profissionais do audiovisual. Assim que possível, a gente espera que logo em 2021, vamos circular por sete regiões do Rio Grande do Sul fazendo essas formações. Além disso, pretendemos ter muito em breve a próxima edição do festival e o registro bibliográfico dessas ações, porque a gente precisa registrar e contar as nossas histórias. Tenho também o projeto da série de ficção Nós Somos Pares, que conta a história de seis amigas negras e suas realidades diversas. Vamos apresentar indivíduos sem estereótipos, mulheres com uma pluralidade, com profissões diferentes, com opções de amores distintas. São mulheres parecidas comigo, com minhas amigas, com minha família. São essas histórias que a gente que ver nas telas, para todos se sentirem pares.

Foto Natasha Montier/Divulgação
PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?