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O desafio de fazer valer no Plenário a representatividade conquistada nas urnas

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O desafio de fazer valer no Plenário a representatividade conquistada nas urnas Bancada de oposição deixou o plenário antes que terminasse a primeira sessão do ano (crédito: Leonardo Contursi/CMPA)

Com Mesa Diretora sem vereadores da oposição e tomada por parlamentares experientes, composição de poderes na nova Legislatura expõe dificuldades internas para uma efetiva renovação da Câmara

Celebrado como mais jovem, mais plural e mais feminino do que no mandato anterior, o parlamento porto-alegrense empossado em 1º de janeiro já deu sinais de que a oposição não terá vida fácil na 18ª Legislatura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. A divergência na compreensão do regimento da Casa quanto à proporcionalidade dos partidos nos cargos da Mesa Diretora e das comissões dá o tom de como será o clima nos próximos quatro anos. Neste início de mandato, os 10 vereadores do bloco de oposição formado por PSOL, PT e PCdoB chegaram a se retirar do Plenário antes que a primeira sessão terminasse.

Na Mesa Diretora, há somente parlamentares experientes — o presidente, Márcio Bins Ely (PDT), está no quinto mandato — e todos são da base governista. Nenhuma das comissões é liderada por parlamentares oposicionistas. Assim, o prefeito Sebastião Melo (MDB) não deve ter dificuldades em aprovar projetos encaminhados pelo Executivo, o que já se verificou na aprovação da nova estrutura administrativa.

Vereadores da oposição vão recorrer ao Judiciário para tentar assumir a presidência da Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor) e da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), conforme adiantou a newsletter do Matinal na edição de quarta-feira. O argumento é que, conforme os artigos 13 e 32 do regimento da Casa e o artigo 58 da Constituição Federal, que tratam do critério da proporcionalidade, o bloco oposicionista poderia assumir até dois cargos na Mesa e a liderança de duas comissões, já que ocupa quase um terço das 36 cadeiras legislativas. Segundo o líder do PSOL, Roberto Robaina, a ação aguarda apenas informações da Câmara de Vereadores e deve ser encaminhada ao Judiciário no dia 20 de janeiro, quando termina o recesso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).

Não é a primeira vez que a proporcionalidade na direção da Casa é judicializada. Em 2017, quando tomaram posse os vereadores eleitos para a Legislatura anterior, a Justiça chegou a emitir um mandado de segurança preventiva para exigir a eleição de pelo menos um integrante de cada bloco partidário. Após recurso, o TJ-RS determinou que o vereador Prof. Alex Fraga (PSOL) tomasse posse como 3° secretário da Mesa Diretora e que o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) assumisse como presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh), mas uma decisão posterior suspendeu a liminar e a composição da Mesa voltou a excluir a oposição. 

Para especialistas ouvidos nesta reportagem, os primeiros movimentos da Legislatura recém empossada mostram que o bloco oposicionista vai precisar de grande habilidade de negociação e muito apoio popular para defender seus projetos.

Recado das urnas não repercutiu em poder interno

Na avaliação de Alfredo Alejandro Gugliano, professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS, a renovação de 44% dos vereadores expressa um recado nítido das urnas, e a eleição da Mesa Diretora foi um teste para saber se essa mensagem foi compreendida pelos integrantes da Casa. “Nessa primeira prova, não saímos bem. O problema central não está nos eleitos, mas na forma como foi articulada a votação. Ao excluir a oposição da Mesa, essa nova gestão inicia semeando conflito, o que não é um bom caminho”, comenta. Para Gugliano, seria importante ter um representante da bancada negra na direção da Câmara, o que ampliaria substancialmente a representatividade social saída das urnas.

A disputa por integrar o grupo diretivo da Câmara se deve ao seu poder de agenda, pois é ele que define os projetos que vão para as comissões e para votação em Plenário. Além disso, cabe à Mesa a decisão do que é urgência, quais audiências públicas ocorrerão na Casa e o que será discutido nas sessões. “O controle dessa instância institucional é crucial, pois ela possui uma série de prerrogativas, tanto administrativas como legislativas, que permitem interferir nos trabalhos da Câmara e nas deliberações”, explica o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFRGS Paulo Peres. Segundo ele, lideranças jovens e diversas ganharam espaço de representação, algo que depende do voto, mas não posições de poder no interior da instituição. “Isso mostra a complexidade da política”, completa.

O professor de história e mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP), Mateus Fiorentini, observa que os parlamentos brasileiros são excludentes por natureza, não é uma particularidade de Porto Alegre. Por isso, mesmo após passar por um primeiro filtro do sistema eleitoral, que por si só dificulta o ingresso de negros, mulheres e indígenas, ao se chegar à Câmara é preciso lidar com outra barreira, a institucional. “É um filtro político e que segrega, pois, naturalmente, os políticos tradicionais, que sempre ocuparam o Parlamento, não gostam de dividir bancada com aqueles que questionam seus privilégios”, analisa.

Pressão social será fundamental em temas controversos

Apesar do impulso governista na formação da Mesa Diretora, Peres pontua que não necessariamente o grupo sempre votará de forma coesa em defesa dos interesses do prefeito ou que essa aliança persistirá até o final do mandato: “Tudo dependerá das matérias em votação e da capacidade de Melo para gerir essa coalizão”.

Nesse sentido, os parlamentares oposicionistas precisarão promover a mobilização social e pautar o debate público. “A oposição terá poucas chances de interferir nas decisões legislativas e de impor alguma pauta mais radicalmente progressista, assim como foi na Legislatura anterior. Eventuais derrotas do governo dependerão do nível de controvérsias que os temas despertarem dentro da própria coalizão ou na sociedade”, projeta Peres.

Conforme o doutor em Ciência Política pela UFRGS Rafael Lameira, oposicionistas podem utilizar mecanismos regimentais para pautar seus projetos. “A Mesa define a pauta, mas não consegue barrar toda a produção legislativa da oposição, como audiências públicas, projetos de urgência e audiências em comissão. Os vereadores da minoria terão de ser habilidosos para utilizar os mecanismos da Casa”, explica. Para Lameira, quando é minoria, a oposição não pode “se dar ao luxo” de entrar em conflito o tempo todo: “É preciso articular, negociar e criar condições de viabilizar a agenda. Discordar não significa ser inimigo, é possível encontrar soluções negociadas”.

Porém, conhecer o regimento e o funcionamento da Câmara exige experiência: quanto mais se conhece o modus operandi do jogo institucional, mais os parlamentares conseguem espaço na agenda do Legislativo. “Os vereadores novos têm muito a ganhar caso se ancorem na experiência e no capital político dos mais velhos, que têm dicas e sugestões”, completa o pesquisador. 

Representatividade nas comissões é central para pautar debates

Líder da oposição, Roberto Robaina (PSOL) protestou contra critérios da Mesa Diretora para compor comissões (crédito: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

O professor Paulo Peres ressalta que, mesmo se a oposição garantisse o seu quinhão de quase um terço na composição da Mesa, o poder de interferência do bloco ainda não seria determinante, pois a presidência, que detém o controle da agenda, ficaria com a base governista: “Os Legislativos são instituições de tomada de decisão colegiada, entretanto enfrentam o paradoxo de ter uma presidência para organizar os trabalhos, o que interfere na colegialidade das decisões. A proporcionalidade na composição da Mesa Diretora é muito mais um dispositivo institucional a ser respeitado para assegurar a democracia do que propriamente um antídoto contra a força da coalizão majoritária”.

A falta de representatividade da oposição na direção da Casa também se refletiu nas comissões, que não possuem nenhum líder ou vice-líder do bloco da esquerda — reflexo da debandada dos opositores em protesto aos critérios de proporcionalidade na composição das seis comissões permanentes. Além disso, apenas quatro dos 24 cargos de liderança estão nas mãos de vereadores em primeiro mandato.

As comissões são o lugar onde os projetos começam a tramitar. Propostas que saem bem amarradas dali chegam mais fortes ao Plenário. Caso o projeto permaneça por muito tempo tramitando de comissão em comissão, o autor pode pedir urgência, depois de 90 dias, para que ele vá a votação. 

Segundo Peres, as comissões são relevantes porque realizam grande parte dos debates sobre os projetos: “Nelas, são discutidas informações sobre o teor das políticas, suas consequências, seus ganhos e os seus custos. Por isso, são espaços institucionais centrais especialmente para os partidos de oposição, por terem neles mais tempo para expor os seus posicionamentos. Obviamente, poderia haver algum acordo que resultasse na atribuição da presidência de uma ou duas comissões à esquerda, mas, provavelmente, seriam aquelas de menor impacto”.

Todas as propostas precisam passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) —  a única com poder de barrar um projeto — e pelas comissões pertinentes, de acordo com o tema do que está sendo sugerido. São permanentes a Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor), Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab), Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) e Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam).

Na análise do professor Gugliano, a consequência de excluir oposicionistas da liderança desses órgãos é a criação de uma situação que estimula a radicalização dos conflitos partidários. “Uma das coisas essenciais que o estudo da política contemporânea nos ensina é que o estabelecimento de um diálogo democrático não significa que as pessoas vão renunciar às suas convicções ou que os partidos políticos flexibilizarão as suas ideologias, simplesmente representa a construção de relações de poder baseadas na ideia de que o ponto de vista do outro importa”, argumenta. 

Crítica ao hino mostra papel pedagógico dos legisladores

O debate criado em torno do hino do Rio Grande do Sul na primeira sessão do ano é indicativo do papel “pedagógico” de legisladores como os da bancada negra, conforme o cientista político Rafael Lameira. Para ele, o episódio é positivo, e pode ser o primeiro passo para mudanças. “Quando entra um elemento novo em um espaço como a Câmara, e quando o elemento se afirma, cria-se essa tensão. Nunca na história da humanidade houve uma luta por direitos que não tivesse a reação de quem quer manter seus privilégios”, frisa.

Por isso, o papel destes legisladores não pode ser medido apenas pela aprovação de projetos. “Não aprovar projetos ou ter vitórias significativas do ponto de vista institucional não significa derrota, mas sim um passo a mais na busca de soluções. A aprovação de propostas é uma parte, não o fim em si mesmo. Se não tiver, não é uma derrota completa”, observa o cientista.

Manifestações na internet podem impactar votações

Diante desse cenário, especialistas recomendam que os eleitores procurem maneiras de acompanhar o dia a dia do Legislativo, a começar pelas comissões. “É um erro muito comum acompanhar os projetos apenas quando eles chegam no Plenário, porque aí ele já está pronto. As comissões são os locais para acompanhar o andamento das propostas”, diz Lameira.

Para isso, pode-se acompanhar o perfil da Câmara e dos vereadores nas redes sociais, assim como o site da Casa. “É preciso participar e intervir nesse processo, mobilizar-se e envolver-se socialmente, ajudando a construir o mandato dos parlamentares. Somos uma sociedade amplamente conectada e um tuitaço ou compartilhamentos podem ter resultados, embora isso não anule as formas tradicionais de mobilização, porque não dá para achar que tudo se resolve pela internet, ela é só uma ferramenta”, analisa o professor da USP Mateus Fiorentini.

Em parceria com Afonte Jornalismo de Dados, o Grupo Matinal Jornalismo apresentou dados da Câmara de Vereadores de Porto Alegre durante a cobertura das Eleições 2020. Nesta semana, finalizamos a série com desdobramentos da posse dos parlamentares eleitos para 2021-2024. 


*Texto produzido com informações da 18ª Legislatura, notas taquigráficas da sessão de posse e dados do regimento interno da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

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