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A motosserra de Melo

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A motosserra de Melo Pelo menos 500 quedas de árvores foram registradas pela prefeitura após o temporal do dia 16 | Foto: Pedro Piegas / PMPA

Uma mensagem no X (antigo Twitter) resume a crise climática vivida por Porto Alegre. O prefeito Sebastião Melo pediu doação de motosserra para ajudar a prefeitura a remover as árvores caídas durante o temporal de terça-feira. No pedido insólito, um apelo: “A vida só tem sentido se ela for comunitária”.

Dois meses atrás era Melo quem recebia da comunidade uma “motosserra de ouro”.

Entregue por ambientalistas, a ação foi um protesto contra a política ambiental do município liderada por um grupo que representa cerca de 70 organizações da cidade. A derrubada de árvores no Parque Harmonia, autorizada pela prefeitura quando concedeu a área à Gam3 Parks, e a tentativa fracassada de conceder a Redenção – em um edital que sequer citava a palavra “árvore” – são dois exemplos emblemáticos de como a gestão Melo trata a arborização.

O manejo das árvores de Porto Alegre saiu do controle da antiga Secretaria do Meio Ambiente (Smam). Pioneira no Brasil, a pasta foi extinta por Nelson Marchezan Junior, que criou a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) – esta, por sua vez, foi fundida na atual Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), criada por Melo.

Conto sobre essa dança das secretarias para lembrar que a gestão arbórea da cidade passou a ser executada por empresas terceirizadas contratadas por outra pasta, a Secretaria de Serviços Urbanos (SMSUrb). Desde então, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) vem denunciando a má qualidade das podas feitas na capital. A entidade também chama a atenção para o formato do contrato que pode estimular cortes desnecessários, já que as empresas contratadas pelo município são pagas por corte realizado.

Árvores inúteis

A CEEE Equatorial também vem sendo criticada pela Agapan pela má gestão das podas, ação realizada pela companhia quando a situação envolve a fiação elétrica. Na terça-feira, ainda antes do temporal, em entrevista à rádio Gaúcha, o superintendente técnico da Equatorial, Sergio Valinho, afirmou que a arborização é um dos “maiores problemas” da companhia. “Vamos acelerar a poda da arborização, da supressão da arborização, um dos nossos maiores problemas hoje, que causam a interrupção do fornecimento de energia elétrica”.

A culpa é das árvores. Assim fica fácil justificar o uso indiscriminado da motosserra.

Não é de hoje que Porto Alegre negligencia o que já foi um dos seus maiores atributos. A capital que chegou a ter 3 milhões de árvores, hoje sequer sabe ao certo quantos exemplares tem, mas estima pouco mais de 1 milhão. Em 2013, por ocasião dos cortes que deram lugar à duplicação da avenida Beira-Rio, o então prefeito José Fortunati justificou a ação: “as pessoas não usam as árvores”.

Até hoje não sei o que ele quis dizer com isso…

Cidade que já foi uma das mais verdes do país, Porto Alegre hoje sofre com ilhas de calor. Onde? Nas áreas menos arborizadas.

A motosserra invisível do mercado

Duramente criticada pelo prefeito nos episódios recentes de interrupção de energia e consequente falta de água, a antiga CEEE foi vendida com apoio de Melo quando era deputado estadual. A visão do prefeito é que o mercado tudo resolve

Tá aí a Equatorial não resolvendo a interrupção de energia elétrica há mais de 48 horas. E o prefeito pedindo ajuda da população no Twitter.


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal.
Contato: [email protected]

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