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O maior problema de Porto Alegre

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O maior problema de Porto Alegre O ano letivo iniciou com um déficit de 6,3 mil, mas real necessidade de vagas é o dobro | Foto: Cristina Leipnitz/PMPA

Desde o início do ano, a Matinal tem dedicado especial atenção ao déficit de vagas no ensino infantil da capital. Da semana passada pra cá, voltamos ao caso, com novas reportagens. Depois das nossas apurações, me arrisco a dizer que a fila de espera que hoje tem cerca de 5 mil crianças é o maior problema de Porto Alegre.

Por quê? Sem escola para crianças de 0 a 5 anos, milhares de mães na cidade não podem trabalhar, porque o cuidado com elas – infelizmente, ainda em 2023 – é uma responsabilidade que muitas abraçam sozinhas. Como mostramos em reportagem da semana passada, o perfil das mães que buscam vaga em Porto Alegre se repete no resto do país: mães solo, pretas e periféricas. Lembrando que a capital gaúcha é a oitava cidade brasileira com maior proporção de mulheres segundo o Censo 2022.

Como eu venho dizendo aqui, tudo é questão de gênero.

Essa mesma reportagem também revelou que a real necessidade de vagas na cidade é de 12 mil – cálculo que considera ainda as crianças que sequer buscam a rede mas deveriam estar matriculadas. O quadro poderia ser muito pior não fosse a rede conveniada que compõe o sistema de ensino infantil gratuito oferecido pela prefeitura. Essa cadeia de escolas parcerias, organizações sem fins lucrativos, é quase três vezes maior do que a rede própria. Mas a desigualdade entre elas é grande, e já foi objeto de análise do TCE, que apontou diferenças entre a qualidade do serviço oferecido e os salários dos educadores. Contratados como técnicos, os profissionais das escolas parceiras ganham dois terços do vencimento dos professores da rede própria do município – e, com razão, têm cobrado maior valorização.

Em audiência pública realizada na Câmara de Vereadores na terça-feira, o secretário municipal de Educação, José Paulo da Rosa, reconheceu a importância das escolas parceiras, que atendem 75% das crianças matriculadas na rede ofertada pelo município. Ele destacou a contratação de profissionais especializados para o atendimento de alunos com deficiência, depois da intervenção da Defensoria Pública do Estado. E questionou: “Mas e as parceirizadas, como ficam? Temos responsabilidade com a rede parcerizada também”, completou.

Contudo, hoje, quando entidades como a Acomur passam por apertos, não podem contar com a prefeitura. A instituição localizada no bairro São José deixou de atender 78 crianças depois que o piso do refeitório afundou com as chuvas de setembro. Quando a Matinal questionou a prefeitura, ouviu que o município não pode arcar com reparos em instituições conveniadas. Por ora, os alunos estão sendo atendidos pelo Colégio Murialdo, a cerca de 10 minutos a pé da antiga escola.

Mordaça da justiça

Antes de encerrar essa coluna, não poderia deixar de registrar o absurdo de uma decisão sem precedentes no país contra uma jornalista. A repórter Schirlei Alves foi condenada em um tribunal de Santa Catarina a um ano de prisão em regime aberto e R$ 400 mil em indenizações. É dela uma reportagem de grande repercussão em 2020, publicada no Intercept Brasil, sobre algo que é corriqueiro na justiça brasileira: a revitimização de mulheres vítimas de violência de gênero.

Schirlei revelou a humilhação promovida pelo advogado de defesa, o promotor e o juiz contra a influenciadora digital Mari Ferrer, no julgamento em que ela acusava um homem de estupro. O réu foi absolvido apesar das evidências que corroboravam a alegação de Ferrer de que ela foi drogada e violada.

O episódio levou à aprovação da Lei Mari Ferrer, que tem o objetivo de impedir que os absurdos do julgamento do caso se repitam em outros tribunais. Mas a juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, de Santa Catarina, estava mais preocupada em indenizar o promotor e o juiz do caso, por isso condenou Schirlei. É urgente reverter essa decisão, que, para além dos danos à jornalista, é um atentado à liberdade de imprensa e um desrespeito às milhares de mulheres estupradas todos os anos no Brasil.


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Marcela Donini é editora-chefe da Matinal. Acaba de conquistar o primeiro lugar no 40º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo na categoria crônica com o texto De onde vem seu privilégio?, publicado aqui neste espaço no final de outubro. 
Contato: [email protected]

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