Juremir Machado da Silva

A “Força da Arte”, o adeus a Zagallo, um ano da tentativa de golpe de 8 de janeiro

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A “Força da Arte”, o adeus a Zagallo, um ano da tentativa de golpe de 8 de janeiro O velório de Zagallo ocorreu no domingo (7), na sede da CBF, no Rio de Janeiro. | Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Enclausurados na pandemia

No apagar das luzes de 2023, Gilberto Schwartsmann publicou novo livro: A Força da arte (Sulina). Uma peça de teatro. Fez bem em publicá-lo. Na minha modestíssima opinião, é o seu melhor texto. Sete pessoas se reúnem numa mansão na Serra para suportar a covid-19. Um escritor precisa ter a sua marca pessoal. Gilberto encontrou a sua já fez tempo: literatura em torno de literatura. Neste caso, uma peça inspirada em termos de procedimento ou mote no Decameron, mas que vai rodar em torno de A morte de Ivan Ilitch, clássico de Tolstói.

O perfil dos três casais enclausurados é deliciosamente ferino: mulheres fúteis, homens fracos, obcecados por dinheiro e pelos prazeres caros que a grana barateia. O sétimo convidado é um pobretão, professor de literatura, morador de um quarto e sala alugado.

Deixemos ao dramaturgo a apresentação das suas criaturas:

“Augusto: Homem maduro; filho de gente da classe média que ascendeu socialmente; casou-se por dinheiro com Lucia; empresário. Tem um caso com Lia; depois de se casar, nunca mais abriu um livro sério.

Lucia: Esposa de Augusto; fútil; rica há três gerações; adora as festas da alta sociedade. Nunca abriu um livro.

Isabel: Riquíssima; fortuna mais recente; o pai criou um império do setor de comunicações; casada com Renato. Também nunca abriu um livro.

Renato: Esposo de Isabel; filho de um banqueiro importante; dirige um dos negócios do pai de Isabel. Só abriu livros de autoajuda e poucos.

Lia: Divorciada de Mario; filha de um juiz suspeito; nova rica; fez um curso, ninguém sabe onde, de terapia de casais; finge que trabalha.

Mario: divorciado de Lia; dono de uma empresa de construção; ficou rico com a ajuda do ex-sogro.

Luís: amigo de infância de Augusto; professor de Letras na Universidade; nunca se casou; uma pessoa correta.”

A ocasião – todos numa mesma casa durante uma pandemia – faz o drama, a comédia, a farsa, a ópera, a coluna social e tudo mais que se possa imaginar.  Gilberto Schwartsmann explora diferentes registros. Não direi mais do que isso para evitar agressões de parte de quem odeia spoiler. Nas redes sociais existem reclamações sobre spoiler em relação a Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Neste último caso, o bocão teria sido o autor, que entrega a morte do narrador deste o começo. Tenho, enfim, de acrescentar uma pergunta: o que pode acontecer com sete pessoas enclausuradas e com medo da morte se todas elas decidem ler ou falar de A morte de Ivan Ilitch na mesma noite?

Tambor tribal (Grande Zagallo)

O céu vai ter de engolir Mario Jorge Lobo Zagallo. O homem vitorioso em quatro copas do Mundo de futebol (duas como jogador, uma como treinador e outra como coordenador técnico) partiu. Zagallo foi um bom jogador de futebol e excelente treinador. Durante muito tempo se tentou diminuir o seu valor dizendo que o time de 1970 era criação do gaúcho João Saldanha, que teria perdido o carto na última hora por ser comunista e ter batido de frente com o ditador Emílio Médici.

É verdade que Saldanha desafiou Médici dizendo que não escalava ministros e, portanto, não aceitava que o general escalasse o seu time. Mas não era só que o ditador queria Dario. Saldanha não queria Pelé. Por quê? O técnico queria modernizar o Brasil. Jogar como europeus. Na época, discutia-se futebol bem jogado, com desempenho, e resultadismo, marcação forte e brilho individual, esquema tático e improvisação. Especialistas já faziam previsões precipitadas. Pelé, antes da Copa do México, era dado como liquidado. Não teria mais a mesma intensidade nem a mesma condição física. Tudo conversa fiada. No filme, Pelé diz que João Saldanha não entendia de futebol. Companheiros sugerem o mesmo. Fica assentado que ajudaram a derrubar o treinador para salvar o time e ficar com Pelé. Zagallo assumiu, tranquilizou Pelé, fez algumas improvisações, melhorou muito a equipe e salvou o país da vira-latice de Saldanha, que aparece dizendo a um entrevistador europeu “nós podemos jogar como vocês”.

Essa história que estou repetindo aqui, em honra de Zagallo, pode ser vista no documentário Pelé, dos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas. João Saldanha perdeu o cargo da técnica da Seleção antes da Copa de 1970 por uma razão imperativa: queria barrar Pelé. O próprio Saldanha admite, em tom de lamento, que era impossível se livrar do atleta. Na tentativa, espalhou a fake news de que Pelé estava com problemas de visão. Mete bronca aí em cima, Zagallo.

Parêntese da semana

“Parêntese #207: Deus não joga”. Na primeira edição do ano, Luís Augusto Fischer, direto dos Estados Unidos, onde contempla lagos congelados, abre o jogo: “No miúdo da nossa nova edição, abrindo este flamante 2024, atuar retomando o folhetim da Claudia Tajes. A vida e a vida de Áurea chega em seu sexto capítulo com o casal da história indo parar no divã para resolver uma questão complexa. Nosso parceiro de longa data, Jandiro Koch, começa uma nova série, sobre a perseguição da comunidade LGBTQIAPN+ durante a Ditadura Civil-Militar brasileira. No primeiro capítulo, o autor mergulha nos acervos da Divisão de Censura de Diversões Públicas, do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN), investigando a censura nas artes e no jornalismo. Em Reciclagens, Antonio Villeroy relembra o protagonismo que Porto Alegre já teve em questões básicas como a coleta seletiva de lixo e chama atenção para a escolha que teremos que fazer este ano, no pleito municipal. Este escriba mesmo segue sua incursão na história dos Estados Unidos e na sua décima sétima crônica escrita desde Princeton ele mergulha nas questões indígenas e nos horrores com que os povos nativos foram – e são – tratados, aqui e lá”.

Frase do Noites

“Javier Milei é a continuação de Jair Bolsonaro por outros meios, outros modos, outros eleitores e o mesmo método”.

Imagens e imaginários

Imperdível, o documentário 8/1 A democracia resiste, da jornalista Julia Duailibi (GloboNews) e Rafael Norton. Ou como Brasil escapou do pior quando tudo parecia combinado para que a vaca fosse para o brejo. Fica confirmado o papel de Janja para evitar uma GLO, o improviso na escolha de Ricardo Cappelli como interventor no Distrito Federal e a preparação dos golpistas, nos quartéis de seus Estados, para provocar uma situação que exigisse um Garantia da Lei e da Ordem.

Escuta essa

Um ano depois da tentativa de golpe de Estado no Brasil, o infame 8 de janeiro de 2023, eu me delicio ouvindo Chico Buarque: “
Vai passar”. Cantei todo dia durante os anos do Capitão:

Passou!

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