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Arte, religião e uma gente inútil

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Arte, religião e uma gente inútil Seminário "O universo mitológico e imagético dos rituais afro-brasileiro" (Foto: Vitória Macedo/Divulgação Bienal do Mercosul)

“Quem não reinterpreta o mundo não é capaz de colaborar para a sua reelaboração”. Essa fala do sociólogo Reginaldo Prandi, autor de A mitologia dos orixás, está martelando na minha cabeça desde que a ouvi em um seminário promovido pela Bienal do Mercosul no final de julho. A mostra, que inaugura na próxima quinta-feira em Porto Alegre, vem realizando eventos prévios na cidade, tudo com entrada franca.

Essa frase ficou aqui, em algum canto da minha cabeça. Sobreviveu à toda tentativa de sequestro da minha atenção, das falas machistas do presidente ao debate em torno da rua de Porto Alegre que vai ganhar nome de negacionista. A arte tem esse poder de permanecer dentro da gente enquanto vamos elaborando novas respostas e perguntas sobre o mundo.

Algumas dessas questões aparecem nos sonhos, um dos conceitos que norteiam a 13ª edição da Bienal, que fala ainda de traumas e fugas. O seminário que eu acompanhei era intitulado O universo mitológico e imagético dos rituais afro-brasileiro (a íntegra está aqui). Contou ainda com a presença de Denise Camargo, artista visual, fotógrafa, curadora, professora e “uma mulher preta que não alisa o cabelo desde 1987”, como ela fez questão de se apresentar antes de iniciar sua fala, costurada por relatos pessoais e trabalhos seus e de terceiros.

Denise Camargo e Reginaldo Prandi, em seminário promovido pela Bienal do Mercosul (Foto: Vitória Macedo/Divulgação Bienal do Mercosul)

Desconexos como os sonhos são os mitos, observou Prandi. Ele explicou que um mito não é transformado por novas redações, mas pela interpretação que fazemos à medida que a realidade muda. E isso vale para as religiões afro ou para o cristianismo. O professor citou o exemplo da bíblia, livro único de uma religião de 2 mil anos que, apesar de não dar conta de fazer interpretações técnico-científicas do mundo, é perfeitamente capaz de dar respostas para questões filosóficas e de comportamento. “Não é preciso mudar a bíblia, o que muda é o jeito como você lê.”

E foi aí que ele disse a frase que vou repetir aqui: “Quem não reinterpreta o mundo não é capaz de colaborar para a sua reelaboração”.

Infelizmente tá cheio de gente assim por aí.

Gente que vai pra rua defender ditadura. 
Gente que ainda acha que lugar de mulher é na cozinha e que só é família aquela formada por um homem e uma mulher.
Gente que considera “racismo reverso” as cotas raciais, que neste ano completaram uma década no Brasil.
Gente que ainda acha ok um homem beijar uma mulher sem seu consentimento.
Aquele tipo de gente que acredita que pobre é pobre porque não se esforçou o suficiente.
Gente que é contra vacina.

Uma gentinha inútil. Pior, uma gente que não só deixa de contribuir para que a sociedade avance mas puxa o bonde para trás.

Gente para quem falta – além de educação, cultura e compaixão – interpretação de texto.

Liga da diversidade

Divido com vocês uma notícia que me anima muito. Há poucos dias fui convidada para participar da Diversity League, um grupo que reúne profissionais e representantes de diferentes entidades e se propõe a promover debates e ações relacionadas a temas como educação, juventude, raça, mulheres, inclusão social, direitos humanos, empoderamento das comunidades, LGBTQIA+, desenvolvimento econômico, pobreza e segurança pública.

A liga conta com o apoio do Consulado Geral dos EUA em Porto Alegre, que pretende facilitar a comunicação com entidades governamentais e empresariais, além de tornar mais inclusivos e diversificados os programas do Departamento de Estado dos EUA. A seguir, uma lista com quem faz parte dessa turma – e um convite para que conheçam os seus trabalhos.

Bruna Rodrigues, vereadora de Porto Alegre e candidata a deputada estadual
Carolina Cavalheiro, head of Business and Community Development no Instituto Caldeira 
Gabriel Galli, presidente da Somos (relembre a coluna com entrevista que fiz com o Galli)  
Guilherme Braga, CEO da Egalitê Inclusão e Diversidade
Leonardo Oliveira da Silva, coordenador de marketing e comunicação do Instituto Sócio-Cultural Afrosul Odomodê (relembre o relato de Bieta Rodrigues na Parêntese sobre sua experiência no Afrosul)
Mariana Ferreira dos Santos, advogada, empreendedora, cofundadora do Odabá e líder do chapter RS do Grupo Mulheres do Brasil
Rafael “Rafuagi” Diogo dos Santos, fundador do grupo de hip hop Rafuagi, da Associação Cultural do Hip Hop de Esteio (ACHE) e do Museu do Hip Hop do RS (relembre a entrevista do Rafael à Parêntese
Renata Lopes Rodrigues, jornalista do Grupo Hospitalar Conceição e do projeto ReConexões
Renata Jardim, advogada e coordenadora de projetos na Themis (veja a entrevista da diretora da Themis, Marcia Soares, ao Matinal)
Vanessa Machado, professora e empreendedora social
Vincent Goulart, líder LGBTQIA+


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

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