Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #222: Comício, quincôncio, bulício

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Parêntese #222: Comício, quincôncio, bulício Foto: Assembleia Legislativa

Há um poema de Mario Quintana que se espanta por não saber o que fazer com coisas desparelhas, desusadas ou disparatadas, como tias velhas e palavras estranhas. Uma delas é quincôncio. Nunca mais esqueci dessa palavra justamente por causa do poema – e por compartilhar com o poema essa sensação ligeiramente paralisante que me ocorre ao perceber um objeto como esse, a palavra quincôncio, boiando na superfície da minha lembrança. 

Foi a rima com quincôncio que me ocorreu, boiando, quando pensei em falar do Comício pelas Diretas-Já em abril de 1984. Foi no largo da prefeitura de Porto Alegre, espaço chamado, com certo cosmopolitismo, de Praça Montevidéu, com um palco montado exatamente na frente das portas do palácio. Sobre o palco, todas as lideranças políticas relevantes do país que não pertenciam aos quadros da ARENA, o lamentável partido de sustentação da ditadura, criado em 1966 e dissolvido em outras siglas depois de 1979. 

Brizola brilhava mais que todos, para o meu gosto. Mas também Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, mais os futuros presidentes Fernando Henrique e Lula, para citar os mais salientes. Dos locais, um monumento chamado Jair Krischke, ainda hoje um lutador pelos Direitos Humanos e contra o arbítrio (entrevistado por nós, da Parêntese – ver link).

Mas o ponto da memória, o que ficou boiando, começou com a sensação de totalidade que experimentamos todos os que lá estávamos – sensação oceânica, a permitir que cada indivíduo dissolvesse duas preocupações e angústias pela volta da elementar democracia, pelas eleições livres para a presidência (e para a prefeitura e o governo do estado, igualmente bloqueadas em Porto Alegre), na água sem fim da multidão. 

Eu tinha meu primeiro carro, um velho e detonado Dodginho 75, e nele grudei orgulhoso um adesivo com as duas palavras mágicas, “Diretas já”, que eram uma senha e um escudo. Fui com ele ao Centro e desci a Borges a pé até o local.

O local: comício, bulício – outra dessas palavras que a memória convoca, também por rima. Eu nunca tinha ido a qualquer comício. O máximo que minha geração tinha praticado, em matéria de política a céu aberto, foi um par de passeatas, a primeira em 23 de agosto de 1977, eu então estudante de Geologia e presidente do diretório acadêmico do curso. Mas aí no máximo ocorria de haver comício relâmpago: uma liderança, com a cara e a coragem, parava numa esquina e, ajudado por parceiros com panfletos prontos para passar às mãos dos incrédulos e assustados passantes, começar a berrar alguma palavra de ordem. 

Era gritar e seguir caminhando, ou desandar a correr, porque era tudo proibido, e os brigadianos, tanto quanto nós, sabiam que podiam descer o cassetete e deter quem fizesse coisa desse tipo.

Foi talvez a primeira passeata significativa depois daquelas protagonizadas pela geração anterior, em 1968. Para nossa geração, que ingressava na universidade pela metade da década de 70, era o batismo de fogo – mas era passeata, não era comício.

Comício, a palavra, era apenas uma referência ao passado, ao tempo do primeiro e legítimo PTB, ao Comício da Central do Brasil em 64, que a gente conhecia apenas de fama entre poucos, porque falar de Jango havia sido proibido. 

Foi bonito. 

Mas as Eleições Diretas para presidente demorariam ainda cinco anos para acontecer. (E o Brasil elegeu Collor, trinta anos depois ter eleito o maluco do Jânio Quadros e trinta anos antes de eleger o Bozo. A cada geração, um cósmico passo em falso.)  

Luís Augusto Fischer 

PS: quincôncio originalmente designa um jeito de plantar cinco árvores (quatro nos vértices de um quadrado e uma no meio); depois passou a designar algo ligado a um tipo de marcha de militares, algo que não me interessei em saber ao certo.


NESTA EDIÇÃO 

A Parêntese de hoje é praticamente um especial de entrevistas. Temos o capítulo final da conversa de Guto Leite, Arthur de Faria e Katia Suman com Luís Augusto Fischer. Na terceira parte, o professor conta sobre sua trajetória profissional, sua relação com a canção popular, a participação no governo Tarso Genro e outras boas histórias. 

Quem também conta um bocado de histórias é Luciano Alabarse, que completou 50 anos de carreira e foi entrevistado pela dupla Claudia Tajes e Theo Tajes especialmente para a Parêntese. Jandiro Koch bateu um papo com Leonardo Câmara Canto, artista que tem obras expostas na mostra Margs 70 – Percursos de Acervo, do Museu de Arte do Rio Grande do Sul. 

Fraga faz a apresentação de uma ótima live com o cartunista Edgar Vasques, live cujo link compartilhamos com os leitores e leitoras e que foi foi coordenada pelo ex-dirigente do Coojornal. No novo capítulo do Museu de Percurso do 3o e 4o distritos, o local da vez é justamente a antiga sede da cooperativa de jornalistas.  

Luiz Eduardo Achutti faz uma dobradinha com o editorial de Fischer, com um texto e fotografias do comício das Diretas Já, que ocorreu em 13 de abril de 1984, na Praça Montevidéu, em Porto Alegre. 

Para terminar com uma reflexão menos terrena, Juremir Machado da Silva escreve sobre o prazer das manhãs a partir da experiência de Gabriel Arquimedes.  

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