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Quem se importa com a democracia?

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Quem se importa com a democracia? Melo cumprimenta Bolsonaro, ao lado de outros apoiadores do ex-presidente | Foto: Alan Santos/PR

A última semana serviu para lembrar quem tem e quem não tem apreço pela democracia em Porto Alegre. Depois que a reportagem de Tiago Medina revelou, na sexta passada, a existência do Dia Municipal do Patriota, muita gente correu para revogá-la, o que de fato aconteceu na segunda-feira.

Foi preciso um fiasco nacional para Sebastião Melo se posicionar a favor da democracia. O prefeito teve a oportunidade de fazê-lo quando a lei chegou para a sua sanção em junho. Naquele momento, Melo poderia ter vetado o absurdo de celebrar os atos de 8 de janeiro, mas preferiu silenciar, fazendo o projeto voltar ao legislativo, onde o presidente da casa, Hamilton Sossmeier (PTB), foi obrigado a promulgá-lo. 

Ao ser questionado sobre sua postura, o prefeito equiparou o Dia do Patriota ao Dia em Defesa da Democracia, aprovado pela mesma Câmara de Vereadores para ser comemorado também no famigerado 8 de janeiro, apoiando-se numa falsa equivalência entre as duas propostas. Agora, diante do acordo fechado a jato no legislativo, Melo sancionou a revogação da lei

É possível que o prefeito tenha mais uma chance para se posicionar diante da questão. Vereadores de direita, que concordaram em assinar a revogação do Dia do Patriota após a retirada de trechos que mencionavam os atos de 8 de janeiro como golpistas, agora querem acabar com o Dia em Defesa da Democracia. No texto do projeto, a invasão aos Três Poderes é chamada de evento “polêmico”, subterfúgio comum a quem não quer dar às coisas o nome que elas têm.

Bois e ETs

Aqui a gente prefere dar nomes aos bois. O texto é de autoria da vereadora Comandante Nádia (PP). Foi do seu gabinete que partiu, no ano passado, o pedido de autorização à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para instalar banheiros químicos no entorno do Comando Militar do Sul (CMS). O local foi palco, por mais de dois meses, do acampamento que pedia intervenção militar e contestava o resultado das urnas, manifestação considerada pacífica pelo prefeito, que não fez muito esforço para desfazê-la – assim como o governo do estado, diga-se.

Barth em frente ao CMS |Reprodução Instagram

Dos mesmos atos onde teve até pedido de intervenção extraterrestre, participou a vereadora Fernanda Barth (PL), uma das parlamentares que acompanhou Nádia no projeto contra o Dia da Democracia. Fernanda foi a parlamentar responsável pelo evento antivacina realizado na Câmara, conforme noticiamos em 4 de agosto.

Como boa parte da direita brasileira, a vereadora brada pela liberdade apenas quando lhe interessa. Em temas sociais, acha que o estado tem que regular, por exemplo, o que se passa dentro de escolas privadas e públicas. É dela um projeto recente que sequer tem fundamento jurídico e imagino que não vá adiante. Fernanda quer obrigar as escolas a informarem as famílias dos estudantes quando houver atividades relacionadas a gênero e sexualidade para que tenham o direito de vedar a participação de seus filhos. Na justificativa, diz que é preciso “cuidar da infância”. Ora, se estivesse de fato interessada, saberia que educação sexual é uma das mais eficazes armas contra o abuso infantil.

Mais uma da dupla Fernanda e Nadia: ao lado Alexandre Bobadra (o autor do patético Dia do Patriota, agora cassado), Sossmeier, Ramiro Rosário (PSDB) e Tanise Sabino (PTB), as duas são autoras do projeto que, na prática, proibiu o uso de linguagem inclusiva nas escolas públicas, texto que, vejam vocês, foi sancionado pelo prefeito Melo.

O fim da legalidade

Os outros vereadores que querem pôr fim ao Dia da Democracia são Marcelo Bernardi (PSDB), Pablo Melo (MDB) – filho do prefeito Sebastião Melo –, Idenir Cecchim (MDB) – líder do governo –, Lourdes Sprenger (MDB) e Mônica Leal (PP).

Mônica, vale lembrar, é autora do projeto que pretendia revogar a lei que mudou o nome da Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade e Democracia. Em 2018, a via voltou a homenagear o primeiro presidente da ditadura militar, por decisão dos desembargadores da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que consideraram inválida a aprovação da lei que alterou o nome da via

Ainda que exista fundamentação legal, não deixa de ser digno de nota o tamanho do esforço para acabar com uma homenagem à democracia e ressaltar o nome de um ditador. A propósito, para fechar esse enredo, mais um nome: entre os autores do recurso que chegou ao TJ, ao lado de Mônica, está Guilherme Socias Villela, ex-prefeito de Porto Alegre, indicado pela Arena durante a ditadura militar.

Recentemente, Villela foi condecorado pelo atual prefeito, em um caso contestado pelo Ministério Público, como mostramos ontem. Melo batizou, em sua homenagem, o centro administrativo da prefeitura, mas, por lei, o poder público não pode oferecer tal distinção a pessoas em vida. 

Executivo e legislativo estavam cientes do impedimento, mesmo assim, deixaram passar a homenagem. Da mesma forma que passou o Dia do Patriota. Mas nós estamos sempre de olho.


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal.
Contato: [email protected]

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