Foto: Yuting Gao/Pexels

#180 | JULHO DE 2023

“A onipresença de tecnologias digitais virtuais em nosso cotidiano colabora tanto para a captura de nosso tempo como para manter-nos distantes do escuro.”
Foto: Yuting Gao/Pexels

Numa conversa virtual entre Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro, durante o Ciclo dos Sonhos, no canal Selvagem, Ailton questiona a quantidade de iluminação artificial que o planeta dispõe e o relaciona com nossa capacidade de sonhar: “Essa hiperiluminação em tudo […] é como se nós estivéssemos querendo fugir mesmo da possibilidade do sonho” (2022, min. 30). Penso na afirmação e me sinto maravilhada. Hiperiluminação. Fuga. Sonho. Em uma única sentença ele consegue sintetizar e traduzir aspectos que venho estudando e me tocam profundamente em relação à sociedade capitalista neoliberal. 

Ousarei então algumas reflexões. Gostaria de pensar a palavra hiperiluminação através da seguinte perspectiva: como parte de um regime de poder hegemônico junto a seus aparatos e demandas ininterruptas. Tanto brilho, tantas telas, conforme Jonathan Crary, “a situação hoje é comparável ao clarão da iluminação de alta intensidade ou à névoa cerrada, nos quais a ausência de variações tonais não nos permite fazer distinções perceptivas e nos orientar em função de temporalidades compartilhadas” (2014, p. 43). 

A onipresença de tecnologias digitais virtuais em nosso cotidiano colabora tanto para a captura de nosso tempo como para manter-nos distantes do escuro. Características que, por sua vez, parecem importantes para o sonhar. Tanto dormindo quanto acordado. 

É verdade, para todos que dormem o sonho sempre acontece, ainda que haja um sentimento oposto. Tecnicamente falando, o que falta é tempo para lembrar daquilo experimentado enquanto se dorme. O que, a meu ver, também merece atenção. Sidarta Ribeiro em seu livro O oráculo da noite aponta que “a falta de tempo para dormir e sonhar […] são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea.” (2019, p. 20). Lembrar de nossos sonhos, afinal, é também dedicar tempo ao que é mais difícil enxergar. Ou seria, enfrentar?

Situação semelhante se dá nos períodos de vigília. Precisamos de tempo para que devaneios aconteçam e, quem sabe, germinem. “Sonhar acordado” é a possibilidade de especular futuros. Contudo, ofuscados, reduzimos os “intervalos nos quais seja possível alimentar e apoiar qualquer tipo de contraprojeto ou linha de pensamento” (CRARY, 2015, p. 85).  Por estarmos tanto tempo expostos a tamanha iluminação artificial, deixamos de investir tempo nas demais variações tonais.

Ainda inquieta, volto à afirmação de Ailton. Hiperiluminados, “[…] é como se nós estivéssemos querendo fugir mesmo da possibilidade do sonho”. Acho incrível como em sua frase é o sonho – e não o medo – que acompanha as demais nuances que existem na vida. Se, ao cerrarmos os olhos, é o escuro que primeiro se apresenta, pensemos nele então como ambiente fértil. Ainda que o desconhecido possa assustar, também nele a imaginação poderia correr solta e radical, livre e colorida. Como um sonho.


Referências bibliográficas:

CRARY, Jonathan. 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.


Ana Rovati é artista visual, pesquisadora e realizadora audiovisual. Mestre em Artes Visuais pela Unicamp, se interessa pelo papel da criação diante das transformações das relações contemporâneas a partir da presença das tecnologias de rede no cotidiano, tema que é parte de sua pesquisa poética e teórica. Graduada em Comunicação Social pela PUCRS e especialista em Desenvolvimento de Projetos Autorais Fotográficos pela Escuela Blank Paper/Madrid. É parte do Grupo de Pesquisas interdisciplinares ACTlab: arte, ciência e tecnologias desviantes, coordenado por Cesar Baio (UNICAMP) e do Grupo de Pesquisa eXtremidades: redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea, coordenado por Christine Mello (PUCSP). Também integra o Coletivo Lombada, voltado à discussão, criação e edição de trabalhos que dialogam com o universo da imagem. 

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