Foto: Freepik

#180 | JULHO DE 2023

“A gente tinha essa ideia um tanto ingênua, a de que uma brecha de tempo era equivalente a uma brecha de calma.”
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Escrevo este texto no celular, não porque esteja muito apressada escrevendo num ônibus ou numa sala de espera, mas porque saí de férias e a primeira decisão que tomei antes de embarcar na viagem foi não levar o computador, não correr o risco de trabalhar. Então escrevo do mesmo jeito que Mario Bellatin escreveu El hombre dinero: em pequenas notas que, só para imitar o Bellatin, não ultrapassarão o tamanho da tela. Pelo menos é isso que eu lembro do livro. Quis reler El hombre dinero, mas não consegui. Só o li num contexto editorial e o arquivo não era meu. Para importar a edição original, teria que dispender mais reais do que permite minha conta bancária, então conto apenas com minha falha memória. Quando lemos o arquivo de El hombre dinero na editora, falamos muito a respeito de como o formato de pequenos fragmentos parecia adequado aos nossos tempos acelerados. Se um livro pôde ser escrito no celular, a gente ficava supondo que poderia também ser lido no celular, nessas brechas de tempo livre que temos durante o dia, em deslocamentos, filas, esperando a chaleira ferver, esperando alguém ficar pronto pra sair de casa. A gente tinha essa ideia um tanto ingênua, a de que uma brecha de tempo era equivalente a uma brecha de calma. Em nossa defesa, isso aconteceu há alguns anos, quando as tecnologias de sequestro de atenção ainda não eram tão superdesenvolvidas. Hoje em dia, ninguém teria a ilusão de que, no celular, um livro poderia competir com o Tik Tok. Gonçalo Tavares é um entusiasta dos fragmentos. Eu não sou particularmente entusiasta da prosa do Gonçalo, mas tenho uma grande paixão pelo Atlas do corpo e da imaginação. Todo escrito em fragmentos, o livro primeiro diz o óbvio, que cada fragmento começa uma coisa nova. “O início tem uma força suplementar: é muitas vezes no início de um processo que se concentra a maior quantidade de uma certa substância, que o desenvolvimento desse mesmo processo só vai diluir”, ele diz, e eu tenho uma grande paixão pelos começos também. Os começos concentram a maior potência. O Tik Tok igualmente sabe disso, por isso os vídeos são tão curtos, por isso eles estão sempre começando, por isso eles são tão rápidos e viciantes (meu vício particular era o twitter, mas uso o exemplo dominante da cultura no momento, embora a lógica seja sempre a mesma: limite de tempo, limite de caracteres, limite de legenda, acabar tudo logo, começar logo de novo). Os começos respondem bem a uma certa urgência da época. Se o mundo exige que a gente esteja sempre produzindo, nada dá mais a sensação de cumprir o dever do que começar algo novo. “O que tem feito?”, nos perguntam, e se a gente diz “estou vivendo a mantendo as coisas no lugar”, a resposta soa pequena, sem graça, mas se a gente diz “comecei um projeto novo”, “vou pra uma nova casa” ou “tive um filho”, a sensação de começar algo é contemplada […]

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