Revista Parêntese

Parêntese #168: Almôndegas

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Parêntese #168: Almôndegas

Tese do Arthur de Faria: no Rio de Janeiro, de quando em quando aparece uma turma de amigos que resolve uma parada, dá contornos nítidos para uma iniciativa estética interessante, que vai durar e valer a pena.

Chiquinha Gonzaga, Joaquim Calado e outros músicos ali por 1870 inventam o que viria a ser o chorinho.

Os bambas do Estácio, mais Noel Rosa, Cartola e outros, nos anos 1930, moldam a cara do samba que conhecemos até hoje.

Uns camaradas em torno de Vinícius, Tom e outros, incluindo o esquisito baiano João Gilberto, seguidos de perto por gente mais jovem como Menescal, Carlos Lyra etc., botam de pé a Bossa Nova, que dispensa apresentações. 

Tem na Bahia também, como Caetano, Gil, Gal, Glauber. Tem até em São Paulo, com a chamada Vanguarda Paulista – para nem falar nos modernistas de 20, que tomaram conta do modo como o Brasil todo se pensa há cem anos.

Mas em Porto Alegre, no sul em geral, a regra é oposta: quando um inventa um troço, o mais comum é o outro cornetear. Sabe a lenda dos caranguejos gaúchos? Ao contrário dos caranguejos baianos, que mesmo dentro de um cesto conseguem se ajudar uns aos outros e quando a gente vê estão todos já livres, aqui mal um caranguejo começa a se movimentar querendo sair já tem outro que o puxa pra baixo.

Nem sei se é bem verdade isso, mas tem cara de verdade. 

A não ser os Almôndegas. 

Estive no show, como alguns milhares de compatriotas, e fiquei igualmente extasiado em reouvir aquelas canções que simplesmente marcaram para sempre a minha vida, desde 1973. Eles foram para nós tudo que a Bossa Nova, o Clube da Esquina mineiro, os baianos e os Novos Baianos, etc., foram para seus respectivos contextos. 

Mas como pode ter havido uma turma, que não apenas existiu como agora, meio século depois, se reuniu, nas barbas de todo mundo? 

Bom, eles são basicamente pelotenses, e por aqui se vê que realmente Pelotas é uma cidade mais parecida com o Rio do que com Porto Alegre. Sem brincadeira nenhuma da minha parte. Socialidade de rua, uma presença negra fortíssima e atuante, uma ligação com os grandes centros. Sei lá.

(Certo: como (quase) todos os outros casos, é uma turma só de homens brancos, coisa que agora a gente percebe. São raros os casos de um Milton Nascimento, uma Gal Costa e uma Betânia, uma Baby Consuelo, nesse mundo da canção, não é?)

Turmas, este é o ponto. Precisamos de mais turmas. 

Enquanto isso, estreiam neste número duas séries bacanésimas. Uma é na verdade um novo capítulo de série conhecida: Frederico Bartz vai nos brindar com dez novos lugares da cidade que tiveram relevância para o movimento popular. 

Mas a série da Renata Dal Sasso é rigorosamente inédita: professora de História da Unipampa em Jaguarão, ela vai passar dois meses em estágio em Buenos Aires e vai nos contar da cidade, dos eventos, das impressões, das memórias que por certo a tomarão, com profundidade. A Renata tem uma newsletter pessoal – procure em “correio do sul do sul”, não se engane porque são duas vezes sul mesmo. Um talento para as observações finas da vida, a Renata.

No ensaio de fotos do Marco Nedeff, nos apresenta um ensaio intimista com direito a banho de rio. Nathallia Protazio escreve sobre a presença de Dilma em Xangai e Leila Rechenberg resgata e retoca um texto de dez anos atrás para comentar sobre Porto Alegre. Arnoldo Doberstein relembra a edição do livro de Adolf Hitler pela Globo, em 1934, e algo de seu eco por aqui. Roberto Jardim fala de apitos de cachorro, que atuam junto a fanáticos de extrema direita, no futebol como na política. No folhetim, Tiago Maria segue enfileirando os inferninhos e seus personagens.

Nesta semana de aniversário do golpe de 64, Juremir recorda os últimos momentos de João Goulart, presidente derrubado pelos militares. Beatriz Marocco amarra sua memória de infância num episódio de inflação atualíssimo. Diego de Godoy sugere a criação de um museu para a imbecilidade. E Berenice Sica Lamas nos conta, com afeto e tino, de uma excelente e ousada exposição em cartaz no Museu da UFRGS.

– Luís Augusto Fischer

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