Lembro de quando era pequena que, deitada na cama antes de dormir, mentalizava o quê queria sonhar. Inventava uma cena e a repetia quase como um mantra na intenção de pegar no sono com aquilo na cabeça. Fazia um esforço danado que, obviamente, não funcionava. Não precisei crescer muito para descobrir que não existe controle sobre os sonhos. Um pouco mais tarde, descobri também que não é possível controlar a memória.
Há coisas que desapareceram completamente dos meus registros. Posso jurar de pés juntos que não estive em determinado lugar, que jamais fui naquela festa, que nunca tinha sido apresentada para fulano. Outras são do tipo névoa, sei que fui, sei que fiz, sei que estive, mas é vago, longínquo, quase um esboço de acontecimento. Há também aqueles momentos que, por diferentes motivos, guardei – ou penso ter guardado – tal e qual ocorreram. Lembro da roupa, da cor do céu, da temperatura do ar, das palavras que eu disse ou ouvi e até do que senti no corpo. Mas isso também, por mais firme e lúcido que pareça numa época, vai se transformando com o passar do tempo. Para mim, esse é um dos grandes fascínios do inconsciente.
Há quem afirme que a memória é sempre uma ficção, já que lembramos a partir das nossas referências e pontos de vista do momento, e isso deixa a cabeça livre para modificar os fatos. Mas a memória é complexa, feita de camadas voluntárias e involuntárias, racionais e irracionais, objetivas e subjetivas. Não sei se algum dia os médicos e cientistas compreenderão tudo que a envolve.
Parêntese
A revista digital Parêntese, produzida pela equipe do Matinal e por colaboradores, traz jornalismo e boas histórias em formato de fotos, ensaios, crônicas, entrevistas.
Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?
Assine o Premiumou faça login
Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!
Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!