#180 | JULHO DE 2023

A comediante nos abre sua visão de mundo e mostra que é muito trabalho envolvido para fazer carreira com piada

A primeira pessoa que me falou seu nome foi a Dóris Soares, poeta e psicóloga Atinúké, “Nathallia, tu tem que ver os vídeos da Betina, ela é hilária”. Abri o perfil do insta e gastei uma boa meia hora rindo no meu intervalo. Como é que pode ser tão engraçada falando de coisa séria? A Betina Câmara é assim, gaúcha de General Câmara, criada em Guaíba, fala de um lugar comum com muita perspicácia: mulher preta. “Comum, Nathallia?” Sim. As mulheres são maioria na nossa população brasileira, um povo com mais da metade de negros. Ah, mas falar de mulher preta é dar voz a uma minoria. Pra você ver como a Betina tem pano pra manga. Sua arte é nos fazer ver as coisas comuns sob outra ótica, novos olhares para rir de novo do que a gente se acostumou. Transformar o ranço em risadas é sua sabedoria de criar saúde, e nas próximas linhas você pode desfrutar desta conversa que tivemos num Café na Cidade Baixa, no dia 20 de julho.

Parêntese – Oi, Betina. Tudo bem? Você fala de bastante coisa no teu show, inclusive sobre tua família, comenta um pouco dos teus pais pra nós começarmos.

B – Sou filha única de um casal que se separou quando eu tinha 9 anos. Minha mãe era uma técnica de enfermagem que sempre sonhou em ser enfermeira. Era bem engraçada e debochada, principalmente depois que se separou do meu pai. Meu pai era eletricista, marceneiro…muito talentoso, porém não muito focado. Interpreto que não lidou bem com o fato da minha mãe se separar dele e sumiu no mundo. Minha mãe me criou sozinha, trabalhando como técnica de enfermagem no Hospital Conceição. Moramos, eu e ela, em Guaíba até meus 19 anos.

Acredito que sou a junção dos meus pais todinha. Percebo no palco características e brincadeiras herdadas do meu pai. A ironia da minha mãe. Creio que meu pai teria sido um marido e pai presente se pudesse ter seguido na área das artes ou da comunicação. Ele era muito carismático e artístico. Conversador. Tanto que não se mantinha em emprego algum.

P – Como você era adolescente? Muitas amigas? Tu era a garota engraçada?

B – Eu fui uma adolescente que gostava de cinema, de literatura, não namorava, até hoje não namorei. Virava e mexia, ou eu estava com as minhas amigas solteiras ou eu estava de vela, e de vela eu não queria estar. Porém, eu queria estar nos eventos. Então, eu comecei a ir aos lugares sozinha. Eu me lembro que eu pegava o dinheiro que a mãe me dava por mês, pegava duas passagens do Guaíba, ia até o centro – saudades dos cinemas que tinha na Rua da Praia – assistia meu filme, comia alguma coisa e ia embora pra casa. Sozinha. Eu me acostumei de uma maneira que quando eu percebi esta questão do preterimento, pensei comigo: “Porra, todo mundo namora, todo mundo tem alguém e eu não”, eu passei por várias fases. Mas teve uma fase que eu me decidi, independente do que aconteça eu não vou ser uma pessoa amargurada, acredito que parte disso é tu aprender a fazer o que tu quer fazer sozinha. Aprender e gostar.

Hoje em dia é um pouco mais complicado por causa dos guanxume. Eu odeio gente guanxume. Guanxume é aquela plantinha que tu anda no mato e ela cola na tua roupa, a pessoa cola em ti. Odeio. Se eu estou com alguém é porque eu gosto daquela pessoa, não é pela necessidade de estar com alguém. Ninguém mais me chama quando termina com o namorado, quando está se sentindo super mal, nem me convide! Não vou. Quer me ver? Quer dar risada, conversar porque tu tá te sentindo angustiada? Tudo bem. Mas pra ser a tua opção porque tu levou um pé? Não, amada, meu tempo é muito precioso.  

P – Quando a gente abre o teu linked.in rapidamente percebemos que, nas tuas próprias palavras, uma “piranha pobre” tem que fazer de um tudo pra se virar. A comédia era um sonho ou foi acontecendo?

B – Um pouco de tudo. Quando eu comecei a fazer comédia eu vinha de um momento que eu tinha passado muito perrengue, eu estava muito chateada com o mundo pois sentia que tinha feito tudo que eu deveria fazer e não tinha sido suficiente. Eu estudei, me formei em gastronomia, trabalhando que nem uma louca na compra de um restaurante classe A aqui de Porto Alegre e não estava feliz, não me sentia realizada, era um ambiente muito adoecedor. Então eu tirei um ano sabático pelos inferninhos do centro de Porto Alegre, que foi uma coisa. Mas assim, eu sou uma pessoa cansada, entende? Estava infeliz, então pensei, quer saber, eu vou fazer algo que eu goste. Eu sempre consumi muita comédia. A minha mãe era hilária, as mulheres da minha família materna toda são da pá virada, eu sou a menos engraçada. Meu pai era muito divertido, ele ficou bem infeliz porque como um homem preto, ele trabalhava sempre onde achavam que um homem preto tinha de trabalhar, na força, mas ele era muito engraçado, seria um ótimo comediante. Hoje eu vejo isso, como ele era um artista. 

Então, eu me vi muito neste lugar. Nesta época foi a fase do CQC. Eu adorava CQC. Eu tive a fase do Sai de baixo, a fase do Irritando Fernanda Young, Os Normais e então veio o CQC. Um dia eu descobri que os guris do programa faziam um tal de stand up. Fui procurar na internet, achei uns vídeos do Danilo Gentili e Rafinha Bastos (olha a decepção de uma galera aí, pô, Negona, Danilo Gentili e Rafinha Bastos? Pois sim!). Eu sou fã dos dois, acho eles ótimos comediantes. Concordo com tudo que eles dizem? Não. Mas a gente não precisa concordar com tudo. Tecnicamente eles são fantásticos e quando eu os conheci pessoalmente eles foram uns amores comigo. 

Com o tempo algumas pessoas falaram, tu viu o que esses guri tão fazendo é stand up, tu também faz, porque tu não vai fazer stand up? E eu me perguntando, mas tem stand up em Porto Alegre? Foi nessa época que eu encontrei um grupo no facebook de Comedy aqui no RS e conheci um cara, o Cacá Bernardes, ele me colocou em contato com o Donato Oliveira que tinha uma noite de comédia aqui em Porto Alegre. Dia 29 de agosto de 2012 eu estreei no palco do Bar Salutte, no Moinhos de Vento. Eu lembro que eu subi no palco, eu tinha 5 minutos, tinha levado um texto preparado, mas acabei esquecendo tudo e então eu comecei a falar da minha vida, da minha infância. Sei que falei, falei e uma guria não parava de rir, o pessoal tava gostando e eu olhei pro Donato, eu falei “pois é eu acho que já esgotei meu tempo”, e ele de lá só fazia sinal com a mão “segue, segue”. foi impressionante. Eu era a única guria da galera toda daquela época. Se tu for ver as fotos tá só eu lá, parece um cravo em cima do beijinho.

P – Como eram os bastidores?

B – Os bastidores era foda. Fora o Donato, o Índio e o Cacá, era bem hostil. Às vezes tinha uma rodinha de comediante conversando, todo mundo fodido de grana, chegava um e me jogava pra fora da rodinha com o corpo todo. O camarim era muito adoecedor, eu tive uma crise depressiva bem ruim. Parei um pouco de fazer uma época, mas continuei a estudar e a anotar em cadernos e mais cadernos.       

Então, apesar de estar fora do stand up eu nunca parei de verdade, até encontrar um grupo de mulheres maravilhoso apresentado pela Camila Toledo, que é artista. Tinha a Annadi, cantora de jazz, ganhadora do Grammy e os caramba, hoje mora em Paris, a Fernanda Francisca, psicóloga, a Elba, que é pedagoga. Esse grupo se formou para estar junto, conversar, se fortalecer. Criamos uma irmandade de mulheres pretas chamada Amoras. Elas começaram a me perguntar por que eu não fazia stand up, me incentivando a fazer. Eu disse, olha eu já fiz um tempo, e contei toda a história pra elas. Nisso o Amoras me apresentou para o trabalho do Grupo Pretagô, um pessoal negro do teatro e eu voltei. Na época era ali no Boteco do Paulista, só comediantes pretos fazendo comédia de várias formas num show chamado  “Humor Negro Night Show” dirigido pelo Bruno Fernandes. 

P – Qual a diferença da tua primeira experiência de palco para este segundo momento?

B – Com certeza eu estava muito mais empoderada. Neste grande hiato que passei só escrevendo os meus cadernos, eu conheci as Amoras, mas também conheci as Atinúkés, que é um grupo de mulheres negras aqui de Porto Alegre. Eu sou uma  Atinúké de 2018, antes da pandemia. Fiz muita terapia. Mas este tempo todo eu ficava pensando, cara eu nunca vou ter uma chance, eu nunca vou ser Afonso Padilha, o que eu faço? Então, decidi me dedicar um pouco mais e me profissionalizar, quando veio a pandemia. Comecei a investir em vídeos, redes sociais, YouTube, quando estava terminando a pandemia surgiu um convite para uma turnê com um grupo pelo interior do Estado, no elenco tinha até o Índio Behn, que está estourado agora com o show da Dra. Rosângela. Com isto eu me profissionalizei de vez. 

P – Hoje você se vê como uma comediante que dá aula pra jovens ou uma professora que faz comédia?

B – Hoje em dia eu sou comediante e só. Eu consegui há bem pouco tempo a alegria de viver só de comédia. Vivo bem, vivo rica, com todas as contas pagas em dia? Não. Dizer isso já é muito forte. Mas vivo. Eu consigo ter tardes livres pra escrever. Chega de escrever piadas no T7, gente. Tu enjoa, porque já tá numa idade, né. Aí, tem que ficar guardando piada na cabeça, umas cinco, seis paradas até descer. Senta no ponto e escreve no bloco de notas do celular. Chega. Hoje em dia eu não tô rica, mas tenho um pouco mais de dignidade. O show de hoje, por exemplo, ainda vou de trem pra Canoas. Afinal, fazer um trabalho dia 20 do mês é pra lascar a guerreira. 

P – Uma mulher preta  no humor sempre é incomodativa?

B – Ah, sempre! Nossa Mãe de Deus, guria. Sempre é incomodativa e assim, ôh! A única opção de uma mulher preta não ser incomodativa é ela se anular completamente. A gente incomoda muito. A minha chegada nos camarins e o remexer na cadeira, e a virada de olho, mostra que incomoda. Algo que tem me chamado bastante atenção é que ninguém dava bola pra fazer abertura de show até bem pouco tempo. Tinha que ser um show Rafinha Bastos pra o pessoal querer fazer apresentação. Há uns dois, três anos eu cheguei no Artistaria e falei que queria fazer qualquer abertura de show. Eu estava interessada em criar público, fazer canja, não me interessava se era com cachê, sem cachê, eu queria criar casca com os diversos públicos. Aí aconteceu o óbvio, comecei a ser chamada para shows pedreiras, mas também para os bacanas. Aí agora todo mundo quer fazer abertura, mas não pelos shows pedreira. É por isso que eu digo, só vai tomar champanhe comigo, quem tomou água de pedra. Ser uma mulher preta na comédia é incomodativo e é muito solitário.  

P – Quem são as mulheres que têm te acompanhado? Mulheres que te inspiram no humor? Existe apoio?

B –  A Beyoncé é minha inspiração. Exemplo de mulher preta foda, profissional, se impõe e sabe o que quer. A Anitta também, tudo bem, não é uma mulher preta, mas ela assume as rédeas da carreira dela. A Bruna Louise a mesma coisa, porque ela entendeu que aquilo ali é o negócio dela, então ela vai cuidar. Ela vai cobrar, ela vai atrás, quer saber de som, de luz. Eu vi a Bruna se incomodar afu com o editor, perguntando de corte e tirando satisfação. Por quê? Porque é seu business. Isso é ser empoderada. Ninguém está cuidando de mim, eu estou cuidando de mim. Este lugar pode ser muito solitário, não por estar cuidando de mim, mas por a gente muitas vezes falar, falar, e ninguém escutar. Cuidar de mim é libertador, falar ao vento é cansativo e solitário.

A Tiffany Haddish me inspira muito. Uma mulher preta judia americana. Ela está começando a ser feliz agora na maturidade, porque essa mulher tomou no cu de várias maneiras. Ela tem um show na Netflix no qual ela recebe várias comediantes, uma branca, a que faz a abertura é uma mulher preta trans, e eu admiro muito isso na Tiffany, ela tem uma capacidade absurda de identificar talentos. A Tiffany Haddish, Viola Davis. A Viola é incrível. Eu assisti A Mulher Rei, e bom, eu nunca fui mimosa, delicada e magrinha. Tem uma cena no filme que ela tá brabona, carregando a sua arma, andando que nem uma gangster, olhei aquilo e pensei: Olha ali, eu no cinema, gente. Vivemos numa sociedade onde devemos esconder a nossa força, acho isso bem problemático, sintoma de um meio adoentado. Hoje eu ando bem faceira com meu muque de merendeira crossfiteira. A minha força tá aí, é o bracinho de minha vó. Vó Betina.    

P – Fazer piada feminista é mais difícil que fazer piada machista? Digo, ser feminista nos palcos (ainda) é um desafio que uma profissional como você carrega como responsabilidade? Como é isso pra ti?

B – Eu não faço piada feminista. No palco eu sou o reflexo de mim mesma. Se um homem me perguntar se eu sou feminista – e a gente sabe que depois de uma pergunta dessa já esperamos o combo da derrota – eu digo que sim. Mas eu me identifico muito mais com outros movimentos, como negralismo, mas falando de uma maneira para as pessoas entenderem, as minhas piadas são feministas não por causa da piada, mas porque eu sou feminista. O palco é um reflexo de mim. Quanto a se fazer piada machista ser mais fácil, eu não sei, porque pelo menos eu não me identifico como machista, então isso não vai estar nas minhas piadas. Eu posso reproduzir machismo, pois estou numa sociedade culturalmente machista. Isso é algo interessante. Estamos num momento no qual o stand up passa por um preconceito. Um comediante faz uma piada que algumas pessoas podem julgar como machista, em seguida se julga o stand up comedy como uma arte machista. Não. O stand up comedy não é machista. O stand up comedy não é feminista. O stand up comedy não é anjo, nem demônio. O stand up comedy é como o louco do tarô. Ele é nada e ele é tudo ao mesmo tempo. Ele é a potencialidade. Muita gente por aí pedindo liberdade para falar o que quiser, eu super defendo isso. Liberdade para falar o que quiser, mas antes da liberdade eu defendo a diversidade, para que todo mundo possa falar o que quiser. Todo mundo!

A minha arte é fazer rir. A minha piada pode ser feminista, pode ser empoderadora, mas é piada, ela tem que fazer graça. Palco de stand up comedy não é palanque. O stand up comedy não é vilão. Tem muita gente boa fazendo stand up comedy, e tem gente que vai deslizar e vai errar. 

P – E tu pensas em sair daqui, morar fora? Tu esteve em São Paulo, né…

B – São Paulo não adianta, né, é o fervo de tudo, qualquer profissão, para qualquer carreira, engenharia, medicina veterinária e o humor é a mesma coisa. É o lugar que mais tem comedy clubes no país. É muito louco. Um comediante chega a fazer três shows de elenco na mesma noite. Só que é uma cidade muito cansativa. Eu saí uma noite com a Camila Toledo, do grupo das Amoras, lembra? Então, SP tudo é longe, tudo é complicado. Lembro que a gente passou por um viaduto e eram barracas e barracas na rua, pessoas cozinhando em latas, aquilo mexeu comigo. Lembrei muito das músicas do Criolo. Porém, ao mesmo tempo, fui no Museu das Favelas, é um lugar maravilhoso. Visitei o Mercado Público, outros lugares, e senti tudo tão grandioso que eu me vi uma guria interiorana. 

P – Você prefere sentir a cidade a pé?

B – Sim. Aqui eu sinto a liberdade da mobilidade, faço tudo a pé morando na Cidade Baixa. Saio pra ir no mercado, eu até vou, mas aí já encontro alguém, passo numa livraria, tomo um café. A minha psicóloga é aqui. Dá pra ir a pé? Adoro. Pegar a bicicletinha do Itaú e só vai. A gente começa a perceber que até mobilidade é um privilégio dos moradores do centro. Eu, por exemplo, sou muito caseira, um bicho grilo, mas a delícia que é vir num café como este, escutar minhas gravações e ficar só estudando, ou lendo um livro. Claro, às vezes a gente acaba encontrando pessoas que não queria, mas faz parte do jogo.

Eu lembro que em Guaíba minha mãe caminhava, sem mentira nenhuma, umas nove quadras só pra ir no mercado comigo pequena. Cara, hoje eu quero comprar qualquer coisa eu ando três quadras, o quanto isso é qualidade de vida, tu não gastar dez reais pra ir ao centro da tua cidade e voltar.

P – O teu processo criativo é muito solitário? Tu disse de vir aqui, estudar sozinha. Como acontece?

B –  Olha, processo criativo é uma expressão muito forte. Mas é basicamente assim, começa intuitivo. Eu tô vivendo a vida e algo acontece – por isso eu acho importante também não estar só em espaços do stand up. Como me irritar com a mesa do lado, por exemplo, que eu achei desrespeitosa e invasiva a maneira como eles chegaram. Entendeu? Isso aí eu vou ficar me segurando pra eu não falar no palco. As experiências vão acontecendo no nosso mundo e vão nos tocando de diversas maneiras. A minha arte é a maneira que eu consegui externar essas coisas que acontecem no mundo pra eu não adoecer. Acredito que se as coisas vão colando, colando, colando em ti e tu não consegue extravasar ou metabolizar os acontecimentos que te machucam para transformar em um sentimento bom, de preferência, eu acho que tu adoece. O meu processo é muito intuitivo, o que eu acabei adquirindo são técnicas. Eu faço um show, eu gravo o áudio e depois eu escuto. Porque das interações que acontecem, como no dia que tu foi com as moças bebendo champanhe, aquilo ali provavelmente tinha relação com algo que eu já vivi, pensei ou senti, eu olhei aquilo e na hora pensei “gente isso tem de ser exaltado e pá”, saiu. Eu acho muito importante a gente ter espaços de protagonismo e isso passa pelo fato das pessoas serem vistas e ouvidas. Então, eu acho muito estranho numa arte como o stand up se eu estivesse diante de cem, cento e cinquenta pessoas, eu falando, e só, como se eu não estivesse vendo estas pessoas também. Claro que eu não vou conseguir dar atenção para cento e cinquenta pessoas, e talvez ainda bem, existem pessoas tímidas, pessoas grosseiras. Mas eu sempre tento pelo menos cumprimentar as pessoas. A ideia de chegar e cumprimentar o porteiro pra mim é imprescindível. Como uma mulher preta em espaços majoritariamente brancos, em vários momentos eu me sinto invisibilizada. Então ter espaços onde as pessoas possam ser vistas e suas necessidades atendidas, eu acho muito importante. Principalmente quando são pessoas que quase nunca têm suas necessidades atendidas. Eu não vou conseguir atender todo mundo, eu sei disso, mas dá pra tentar fazer o mínimo dentro do meu mundo. Aí a troca fica muito melhor. A chave da cura do mundo passa por aí, que todo mundo consiga ser visto, se sentir visto, acolhido nas suas necessidades.   

P – Fala pra nós, depois de uma década nos palcos, você diria que o humor mudou?

B – É complexa esta pergunta. Eu acho que a sociedade mudou, e como toda forma de arte o humor reflete a sociedade que ela vive. Hoje em dia fica feio certas coisas no stand up comedy. Tem muita gente que me chama porque têm de mim a imagem de boazinha. Eu uso muito a cota da comédia, tá?! Tem muito espaço que eu ocupo hoje porque muita gente, muita gente mesmo veio antes de mim e, poxa, em 2023 fica feio não ter um preto, não ter uma preta no palco. Chama a Betina, então. Eu vou, eu aproveito. Porém, eu vou com profissionalismo, com seriedade. Bastante gente se levanta pra reclamar: nunca tem preto, nunca tem preto. Com isso tu consegue uma brecha mínima, graças à luta de muita gente que veio séculos antes de ti, aí tu não age com profissionalismo, tu sabota o teu trabalho. Porra, aí irmão. Vamos tratar isso na terapia, entendeu.

Betina Câmara – Foto de divulgação do segundo aniversário do Poa Comedy Club

P – Betina, por que tu continua?

B – Porque eu encontrei o meu propósito. Eu venho de uma família de trabalhadores, de pessoas que não puderam sonhar muito sobre o que queriam fazer. A minha mãe já foi uma mulher que gostava de cuidar dos irmãos machucados, fez um técnico de enfermagem, mas mesmo este espaço escolhido foi adoecendo ela no médio, longo prazo. Então eu conseguir viver o meu propósito e é tão gostoso ouvir as pessoas rindo de algo que eu pensei, é uma sensação transcendental. Ver como algo que me incomodou transformado em piada e as pessoas rindo é como sentir todo mundo de mãos dadas, tá ruim, mas estamos aqui juntos. Não vai dar tudo certo, mas estamos juntos. Esta sensação de unidade, de não estar sozinho.

Existem camarins horríveis que eu enfrento, mas hoje em dia eu aprendi a juntar todo o ranço, todo o ódio, todo o nojo numa bolinha, e como uma espécie de dragon ball colocá–la em meu coração e subir no palco com meu texto usando aquilo como energia propulsora para fazer as pessoas rirem. Isso é uma das coisas que eu me orgulho muito. Não sou uma pessoa de boas decisões, sou irritada, não tenho paciência com nada, sou debochada, reclamo pra caralho, mas a capacidade de transmutar ranço em riso é o que mais me orgulho em mim.

P – Indica umas três pessoas fazendo humor hoje que você indica para os leitores da Parêntese.
B – Tem muita gente boa! Adoro o Jhordam Matheus, João Pimenta, da cena da Bahia. Aqui tem uma cena muito forte também, a Mayura Matos, Nelly Coelho, tem o grupo Pretagô. O Pretagô é um coletivo preto de teatro, eles têm uma peça que se chama qual a diferença entre o charme e o funk que é maravilhosa, eu não sei como essa gente ainda não está rica, vivendo na Europa. E um cara branco que eu gosto muito é o Afonso Padilha. O Poa Comedy Club é o primeiro comedy club de Porto Alegre, um espaço profissional a ser consumido, o Nosso Comedy club, em Cachoeirinha e o primeiro comedy club do Rio Grande do Sul o Buteco Comedy Bar em Canoas.

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