Revista Parêntese

Parêntese #162: Ganhos incrementais

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Parêntese #162: Ganhos incrementais Obra presente no livro "Adeus, senhor Portugal", do entrevistado Rafael Cariello - Estudo para Julgamento de Frei Caneca (c. 1918), de Antonio Parreiras. Óleo sobre tela, 77 x 96,2 cm. Museu Antônio Parreiras

Minha geração é a da Guerra Fria, que agora vem sendo chamada pelo termo estadunidense, os “boomers”, da expressão “baby boom”, a explosão de filhos nascidos das classes confortáveis depois da Segunda Guerra. 

Essa localização na história mundial tem seu preço. A parte mais dura, para além da idade avantajada pura e simples, tem a ver com a moldura por dentro da qual a gente enxerga o mundo. Essa moldura obriga a pensar o mundo como preso entre dois polos, pura e simplesmente. Um mundo multipolar, complexo, só aparece se a gente confronta o que aprendeu no ar guerreiro-frio. Mas tem mais. 

Entre os que não se conformavam com o lado do liberalismo econômico, digamos entre a esquerda, também havia constrições pesadas. Uma delas, que me irritava desde a adolescência, era a oposição entre Revolução e Reforma. 

Os militantes mais organizados, em partidos e grupos, se tinham na conta de revolucionários – e por isso combatiam os que eram “apenas” reformistas. Quem era revolucionário pensava que só a revolução (ponha aí a utopia que quiser, da sociedade sem classes ao mundo sem nações) daria jeito em tudo; menos que isso era se contentar com pouco e, muito pior, era fazer o jogo da direita, era atrasar a mesma revolução.

Um querido amigo dos anos 70 e eu costumávamos rir dessa visão. Os caras pregavam a revolução, olhavam para todos os demais como um horizonte de cretinos, e ao final arfavam como se tivessem vencido Waterloo – mas nunca tinham cobrado um escanteio, nem cantado uma marchinha de carnaval. Aliás, consideravam o carnaval uma alienação medonha. 

Faço essa rememoração para dizer que tenho desde sempre muita simpatia pelos ganhos incrementais, pelas pequenas conquistas, pela luta cotidiana pela liberdade e pela igualdade. Sou assim por temperamento, e depois por convicção.

Por exemplo: um livro novo de história da Independência. Um revolucionário daqueles da Guerra Fria diria que é quase uma frivolidade voltar a estudar o processo de 1822, porque no fim das contas o imperialismo americano é que interessa. 

Não, meu caro revolucionário: o modo como entendemos (ou não entendemos) as coisas mais comezinhas do passado estrutura o nosso modo de agir no presente. (Se valesse a pena, eu diria: vá ler mais, meu.)

Ocorre que nosso entrevistado de hoje, em plena edição de carnaval, é Rafael Cariello, um historiador que presta enorme serviço ao revisitar a Independência, com seu colega Thales Zamberlan Pereira, para decifrar coisas sensacionais – o papel od atraso de salários e da carestia de gêneros básicos na deflagração da separação de Portugal, entre outros mistérios, maiores e menores.

Pensando bem, que faz uma revista como a Parêntese tem que acreditar em ganhos incrementais, paulatinos. A série da Beatriz Marocco, que se encerra hoje, mostra bem o valor de conhecer mais de perto o ponto de vista de mulheres velhas – e este adjetivo não é uma ofensa!

Da mesma forma um time de cronistas e ensaístas que vou te contar: Augusto Darde fala sobre ser leitor em cidade pequena e focada no trabalho; Samantha Buglione repassa as motivações profundas de quem quer ser escritor; Ana dos Santos rememora sua vida na Cidade Baixa tendo como ponto de interesse o carnaval, tema que também é a marca do ensaio de Delma Gonçalves. Juremir Machado da Silva fala sobre outros carnavais e nossa editora-chefe, Marcela Donini, dá dicas de leitura de verão.

O folhetim da Jane de Sousa atinge um ponto de alta tensão dramática, um desespero doído. Arnoldo Doberstein revê a chamada Revolução de 30 pelas impressões deixadas na época. E Milena Weber chora um de nossos mortos recentes, uma figura querida por todos, que deixa saudades mansas e duradouras, o Flávio Mainieri.

O significativo ensaio de fotos é do nosso editor Ângelo Chemello Pereira, com imagens de dois lados – mas não os dois únicos lados da Guerra Fria, ainda bem.

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